Mesmo com corte de salários, professores das universidades estaduais baianas resistem à pressão do governo

EM ASSEMBLÉIA, PROFESSORES DA UEFS DECIDEM CONTINUAR EM GREVE

 

Publicada em 30/05/2011 ás 21:59hs

Em assembleia na tarde de hoje (30), com 143 assinaturas na lista de presença, por apenas três votos contra e quatro abstenções, os docentes aprovaram a continuidade da greve na Uefs. Em todas as falas, os professores responsabilizaram o governo pela continuidade da greve já que o mesmo mantém uma postura intransigente e autoritária ao retirar a proposta da Mesa de Negociação (aqui) durante a última reunião na sexta (27). A decisão da categoria demonstra sua indignação, expressa na disposição para luta mesmo com os salários de abril e maio cortados pelo governo.

A assembleia aprovou uma série de mobilizações e atividades e delegou ao Comando de Greve autonomia para negociar, em conjunto com os outros Comandos de Greve, através do Fórum das ADs. Neste sentido, foi aprovado o encaminhamento de uma nova proposta ao governo, sobre a incorporação da CET e o decreto 12.583/11, na quinta (02) e a solicitação de uma reunião já para a sexta (03), a fim de retomar as negociações. Sobre a CET, o norte para a negociação é flexibilizar o tempo de vigência do Acordo, garantida a incorporação completa, no máximo, até 2014. Quanto ao Decreto, a linha aprovada foi pela manutenção da defesa da autonomia universitária, propondo ao governo o agendamento de reuniões com o Fórum das 12 e o Fórum dos Reitores, sendo a primeira imediatamente (ainda durante a greve), pautando possíveis soluções para os efeitos do Decreto nas UEBA.

Além do Ato Público nesta terça (31) na ALBA, às 10h, e da campanha de mídia na televisão, estão agendadas uma reunião com o Fórum das entidades representativas dos estudantes e dos técnico-administrativos amanhã (31), à tarde, e outra com o Fórum dos Reitores na quarta (01), na UNEB, às 13h, para discutir os impactos do Decreto e as estratégias para garantir a autonomia universitária. No que tange à liminar concedida pela desembargadora Deise Lago, na qual manda o governo pagar os salários, a assessoria jurídica tomará todas as providências cabíveis em caso de descumprimento da ordem judicial, inclusive solicitar a prisão do governador, como faculta a legislação.
 
Na assembleia, a assessoria de comunicação, além de relatar a repercussão da greve na mídia e nas redes sociais, também exibiu o VT que está sendo veiculado pelas afiliadas da Rede Globo em todo o estado (aqui). A expectativa dos docentes é que, com o fortalecimento do movimento e a apresentação de nova proposta, o impasse imposto pelo governo possa ser superado.

 

 

Homenagem a Dorival Caymmi

 

Dorival Caymmi, nascido em Salvador em 30 de abril de 1914, completaria hoje, dia 30 de abril, 97 anos de idade. Sua morte aconteceu em 16-08-2008.Caymmi que embarcou para o Rio de Janeiro nos anos 30, onde deveria trabalhar como jornalista e ilustrador, pegou um « Ita » (o navio Itapé) chegando à então capital do Brasil em 1938. Nessa época publicou  alguns desenhos na revista « O Cruzeiro » e apresentou-se na Rádio Transmissora. Seus primeiros sucessos, ao lado de Carmem Miranda, foram as canções A Preta do Acarajé e O Que é que a Baiana Tem…

Mas Caymmi consagrou-se no cenário musical nacional cantando canções sobre a Bahia, seus bairros, a vida simples do povo, principalmente dos pescadores. Sua obra está impregnada de temas populares, ainda vivos na memória do povo. O certo é que apesar de vários dos seus sucessos musicais terem sido lançados numa fase ufanista da música brtasileira, Caymmi continuou compondo e cantando canções com temas baianos que têm, inclusive,  um valor documental, o que  consolida a sua reputação como o mais importante compositor e cantor baiano no período e criador de um estilo singular.

Em 60 anos de carreira, Dorival Caymmi gravou cerca de 20 discos, mas o número de versões de suas músicas feitas por outros intérpretes é praticamente incalculável. Sua obra, considerada pequena em quantidade, compensa essa falsa impressão com a inigualável qualidade de algumas obras-primas. Entre as canções de grande sucesso pode-se citar: A preta do acarajé, O que é que a baiana tem, A Lenda do Abaeté, Promessa de Pescador, É Doce Morrer no Mar, Marina, Não Tem Solução, João Valentão, Maracangalha, Saudade de Itapoã, Doralice, Samba da Minha Terra, Lá Vem a Baiana, Sábado em Copacabana, Nem Eu, Nunca Mais, Saudades da Bahia, Oração pra Mãe Menininha, “Rosa Morena”, “Eu Não Tenho Onde Morar”, “Promessa de Pescador”, “Das Rosas, Saudades da Bahia, Cantiga pra Gabriela,Vou ver Juliana, etc. Em 1994, a Editora Lumiar lançou o songbook com suas obras, acompanhado por três CDs.

Aqui fica a minha homenagem ao inesquecível cantor da Bahia.

Parabéns Salvador!

  

 

Aniversário de Salvador – Bahia

Quatrocentos e sessenta e dois anos

São Salvador da Bahia de Todos os Santos – também conhecida como Bahia, foi a primeira cidade fundada no Brasil (1549), e a primeira capital do país, na época da colonização portuguesa. O nome da cidade tem sua origem na denominação dada pelo navegador italiano Américo Vespúcio à Baía onde ele aportou no dia 1 de novembro de 1503, dia em que se comemora Todos os Santos no calendário Católico. A Capitania Geral da Bahia de Todos os Santos foi a sede do governo colonial português. Por volta de 1824, quando foi promulgada a primeira Constituição brasileira, a antiga capitania foi designada como Província da Bahia, e, finalmente, após a Proclamação da República em 1889, ela tornou-se Estado Federal dos Estados Unidos do Brasil. No entanto, até o final do século XIX, a capital recebeu, simultaneamente, sete denominações diferentes: São Salvador, Salvador, Salvador da Bahia, Bahia, Bahia de Todos os Santos, e São Salvador da Bahia de Todos os Santos. Atualmente, Bahia designa o Estado e Salvador a sua capital, embora as pessoas oriundas de outras regiões, como também um grande número de baianos, a nomeiam carinhosamente de « Cidade da Bahia », hábito que também é comum entre um grande número de escritores e compositores populares.

A cidade do Salvador da Bahia foi fundada por Tomé de Souza na entrada da Bahia de Todos os Santos, quarenta e nove anos após a chegada dos Portugueses à costa brasileira, para ser a sede do Governo Geral. A cidade construída na Capitania Geral da Bahia de Todos os Santos, nasceu para garantir a posse territorial do país aos Portugueses e para assegura a fixação de um pólo administrativo na Colônia.

Enquanto primeira capital do Brasil, Salvador acumulava a dupla condição de centro administrativo e de entreposto comercial. A cidade era ponto de parada obrigatório para viajantes e comerciantes do mundo inteiro, como também importante porto de desembarque e de comércio, sobretudo de escravos africanos.

Com a transferência da capital para o  Rio de Janeiro (1763), mais próximo das minas de ouro de Minas Gerais, a antiga capital perdeu a sua importância política e permaneceu, segundo o historiador baiano Cid Teixeira, como uma espécie de ilha cultural, guardando assim os símbolos singulares da sua cultura.

Mas, para resumir, quem melhor define a Bahia é Caribé – Hector Júlio Páride Bernabó – nascido no subúrbio de Lánus, em Buenos Aires em 1911, de pai italiano e mãe brasileira. Veio à Bahia pela primeira vez em 1938, após a leitura do livro Jubiabá, de Jorge Amado, estabelecendo-se definitivamente à partir de 1942. Caribé faleceu em 1° de outubro de 1997 aos 86 anos de idade. Durante a sua vida foi jornalista, ilustrador, desenhista, pintor e escultor, deixando uma série de trabalhos que retratam os aspectos culturais populares da Bahia.

« A Bahia não é uma cidade de contrastes. Não é não. Quem pensa assim está enganado… Tudo aqui se interpenetra, se funde, se disfarça e volta à tona sob os aspectos mais diversos, sendo duas ou mais coisas ao mesmo tempo, tendo outro significado, outra roupa, até outra cara… Tudo misturado : gente, coisas, costumes, pensares. Vindos de longe ou sendo daqui, tudo misturado… Além da terra onde um dia descansaremos, há duas coisas : o preto e o branco. Havia. A loura de biquíni tem uma estrutura de ombros formidável, genuinamente sudanesa. A vendedora de mingau, escura como a noite, tem um holandês nos olhos. Tudo misturado… »

         In, CARIBÉ – As sete portas da Bahia. Livraria Martins Editora, São Paulo, 1962, p. 23.

Gilberto Freyre: um poema em homenagem à Bahia

 

Apresentação de Edson Nery da Fonseca.

Embora tenha concluído o curso de mestrado em ciências sociais na Universidade Columbia — onde foi aluno de Franz Boas, fundador da antropologia cultural — Gilberto Freyre considerava-se, acima de tudo, escritor. E foi como ensaísta que ele projetou-se no cenário nacional: ensaísta à la Montaigne e Bacon.

Mas em 1925 — muito antes, portanto, de distinguir-se com livros como Casa Grande & Senzala (1933) e Sobrados e Mucambos (1936) — Gilberto Freyre escreveu um longo poema inspirado por sua primeira visita à Cidade de Salvador: Bahia de todos os santos e de quase todos os pecados. Impresso no mesmo ano em reduzidíssima edição da recifense Revista do Norte, o poema deixou Manuel Bandeira entusiasmado. Tanto que em carta de 4 de junho de 1927 escreveu: “Teu poema, Gilberto, será a minha eterna dor de corno. Não posso me conformar com aquela galinhagem tão dozada, tão senvergonhamente lírica, trescalando a baunilha de mulata asseada. S!” (cf. Manuel Bandeira, Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958, v. II: Prosa, p. 1398).

O poema tem três versões: a primeira foi reproduzida por Manuel Bandeira em sua Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos (1946); a segunda, modificada pelo autor, foi publicada na revista carioca O Cruzeiro de 20 de janeiro de 1942; e a terceira aparece nos livros Talvez Poesia (José Olympio, 1962) e Poesia Reunida (Edições Pirata, 1980).

Fonte: Antonio Miranda  

BAHIA DE TODOS OS SANTOS E DE QUASE TODOS OS PECADOS

Bahia de Todos os Santos (e de quase todos os pecados)

casas trepadas umas por cima das outras

casas, sobrados, igrejas, como gente se espremendo pra sair num

retrato de revista ou jornal

(vaidade das vaidades! diz o Eclesiastes)

igrejas gordas (as de Pernambuco são mais magras

toda a Bahia é uma maternal cidade gorda

como se dos ventres empinados dos seus montes

dos quais saíram tantas cidades do Brasil

inda outras estivessem para sair

ar mole oleoso

cheiro de comida

cheiro de incenso

cheiro de mulata

bafos quentes de sacristias e cozinhas

panelas fervendo

temperos ardendo

o Santíssimo Sacramento se elevando

mulheres parindo

cheiro de alfazema

remédios contra sífilis

letreiros como este:

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo

(Para sempre! Amém!)

automóveis a 30$ a hora

e um ford todo osso sobe qualquer ladeira

saltando pulando tilintando

para depois escorrer sobre o asfalto novo

que branqueja como dentadura postiça em terra encarnada

(a terra encarnada de 1500)

gente da Bahia! preta, parda, roxa, morena

cor dos bons jacarandás de engenho do Brasil

(madeira que cupim não rói)

sem rostos cor de fiambre

nem corpos cor de peru frio

Bahia de cores quentes, carnes morenas, gostos picantes

eu detesto teus oradores, teus otaviosmangabeiras

mas gosto das tuas iaiás, tuas mulatas, teus angus

tabuleiros, flor de papel, candeeirinhos,

tudo à sombra das tuas igrejas

todas cheias de anjinhos bochechudos

sãojoões sãojosés meninozinhosdeus

e com senhoras gordas se confessando a frades mais magros do que

eu

O padre reprimido que há em mim

se exalta diante de ti Bahia

e perdoa tuas superstições

teu comércio de medidas de Nossa Senhora e do Nossossenhores do

Bonfim

e vê no ventre dos teus montes e das tuas mulheres

conservadoras da fé uma vez entregue aos santos

multiplicadores de cidades cristãs e de criaturas de Deus

Bahia de Todos os Santos

Salvador

São Salvador

Bahia

Negras velhas da Bahia

vendendo mingau angu acarajé

Negras velhas de xale encarnado

peitos caídos

mães de mulatas mais belas dos Brasis

mulatas de gordo peito em bico como para dar de mamar a todos os

meninos do Brasil.

Mulatas de mãos quase de anjos

mãos agradando ioiôs

criando grandes sinhôs quase iguais aos do Império

penteando iaiás

dando cafuné nas sinhás

enfeitando tabuleiros cabelos santos anjos

lavando o chão de Nosso Senhor do Bonfim

pés dançando nus nas chinelas sem meia

cabeções enfeitados de rendas

estrelas marinhas de prata

tetéias de ouro

balangandãs

presentes de português

óleo de coco

azeite-de-dendê

Bahia

Salvador

São Salvador

Todos os Santos

Tomé de Sousa

Tomés de Sousa

padres, negros, caboclos

Mulatas quadrarunas octorunas

a Primeira Missa

os malês

índias nuas

vergonhas raspadas

candomblés santidades heresias sodomias

quase todos os pecados

ranger de camas-de-vento

corpos ardendo suando de gozo

Todos os Santos

missa das seis

comunhão

gênios de Sergipe

bacharéis de pince-nez

literatos que lêem Menotti del Picchi e Mário Pinto Serpa

mulatos de fala fina

muleques

capoeiras feiticeiras

chapéus-do-chile

Rua Chile

viva J. J. Seabra morra J. J. Seabra

Bahia

Salvador

São Salvador

Todos os Santos

um dia  voltarei com vagar ao teu seio moreno brasileiro

às tuas igrejas onde pregou Vieira moreno hoje cheias de frades

ruivos e bons

aos teus tabuleiros escancarados em x (esse x é o futuro do Brasil)

a tuas a teus sobrados cheirando a incenso comida alfazema

cacau.

Extraído de: FREYRE, Gilberto. Bahia e baianos. Apresentação de Edson Nery da Fonseca. Salvador: Fundação das Artes, 1990. 167 p.

Dodô, Osmar e a história do Trio Elétrico

No dia 25 de julho de 1996 tive a honra de conversar, emocionada, com Osmar Macedo (22/03/1923–30/06/1997), um dos “pais” do Trio Elétrico. A entrevista tinha como objetivo um trabalho acadêmico. Nessa ocasião, Osmar, uma pessoa amável e simpaticíssima, contou-me a história do Trio Elétrico, (cerca de 4.00h de gravação), sua trajetória ao longo daqueles quarenta e seis anos  de participação em carnavais. Aqui será apresentado apenas um resumo, pois a história é longa e não caberia no espaço do blog.

Enquanto admiradora de Osmar Macedo, que brilhava no Trio Elétrico durante as festas momescas, a emoção daquele momento era indescritível; fiquei simplesmente encantada diante da simplicidade e da disponibilidade daquele homem, na época com 73 anos de idade, que não era somente um músico, mas alguém que teve uma vida profissional intensa e permeada de atuações importantes em todo o Brasil e também no exterior.

 

                                 Conjunto Três e Meio”

Como tudo começou

Em 1938 Dodô, radiotécnico e músico, e Osmar, técnico em engenharia mecânica e músico, participaram do conjunto “Três e Meio”, que tocava em festas e programas de rádio em Salvador. Mas a idéia do novo instrumento que seria conhecido como “pau elétrico” e, posteriormente, como guitarra baiana, só surgiu algum tempo depois. Eles tinham visto em 1942, o violonista Benedito Chagas, do Rio de Janeiro, que se apresentara no Cinema Guarany, em Salvador. O seu violão era equipado com um captador, uma novidade para a época. Eles ficaram curiosos com o funcionamento daquele engenho, mas descobriram que, mesmo com amplificadores de maior alcance, o captador provocava a “microfonia” – uma espécie de apito muito forte – sempre que o volume era aumentado.

 

                                 Os amigos Dodô e Osmar

Em sua entrevista Osmar conta que, nessa época, ele e Dodô foram à loja A Primavera, na Praça da Sé, com o objetivo de comprar um violão e um cavaquinho, pois descobriram que era a caixa acústica do instrumento que provocava a “microfonia”; logo, era preciso encontrar um pedaço de madeia maciço, sem caixa acústica. Na loja A Primavera, compraram os instrumentos, dos quais somente os braços seriam aproveitados, visto que era muito trabalhoso confeccioná-los… e quebraram os dois instrumentos na quina do balcão, na própria loja. O vendedor, um espanhol recém-chegado ao Brasil, perperxo, foi se queixar ao proprietário, dizendo que estava ali, “um maluco que comprava e quebrava os instrumentos”. – Ele está pagando? O dono da loja perguntou. – Está, sim senhor!  – Então deixa ele quebrar…

Mas, na realidade, ele estava fazendo aquilo, porque queria que os braços dos instrumentos fossem empacotados, para poder levá-los para casa pois, “quem andava com um violão debaixo do braço, naquela época, principalmente numa segunda-feira pela manhã, era vagabundo e malandro”. Essa história também foi contada, segundo Osmar, numa entrevista concedida à  Revista Veja, em 1972.

O “Pau elétrico” já havia sido confeccionado quando, em 1950, uma semana antes do Carnaval, uma orquestra de Recife, chamada Clube Vassourinhas, de passagem para o Rio de Janeiro, fez uma apresentação em Salvador. Segundo Osmar, essa orquestra “incendiou” as ruas da Bahia com a sua música e eles próprios ficaram entusiasmados com o que viram e ouviram: “Eu e Dodô, saímos atrás, junto com o povão, pulando, vendo a beleza do Clube Vassourinhas, com a orquestra de metais, cerca de 100 metais tocando pela avenida… pela Avenida Sete… Foi uma beleza, tocando frevos!”

 

 Na mesma noite, após muitas confabulações, concluíram que, se ligassem os “paus elétricos” numa bateria para aumentar a potência do som, eles poderiam brincar o carnaval de uma maneira diferente. Uma semana depois, a velha Fobica de Osmar, na realidade um Ford 1929, participou do carnaval da Bahia equipada com dois alto-falantes; a “Dupla Elétrica” saiu às ruas da cidade e encantou a todos, principalmente àqueles que acompanharam a novidade, cantando e dançando. Até ali, não havia participação popular no carnaval local. As famílias se contentavam em apreciar o corso, desfile de automóveis abertos e decorados, onde moças bonitas e fantasiadas, filhas de famílias ricas, desfilavam pelas ruas da cidade jogando confetes, serpentinas e lança-perfume. Também havia o cortejo de carros alegóricos, patrocinados pelos grandes clubes da capital, entre eles, os “Fantoches de Euterpe”, o “Cruz Vermelha” e os “Inocentes em Progresso”.

Alguns anos depois, Moraes Moreira, o primeiro cantor do Trio Elétrico, comporia Vassourinha Elétrica, contando a história para quem não conhecia.

Varre, varre, varre Vassourinhas 

Varreu um dia as ruas da Bahia 

Frevo, chuva de frevo e sombrinha 

Metais em brasa, brasa brasa que ardia 

Varre, varre, varre Vassourinhas 

Varreu um dia as ruas da Bahia 

Abre alas e caminhos 

Pra deixar passar 

O trio de Armandinho, Dodô e Osmar…  

 Mas, voltando ao nascimento do Trio, em 1953, a dupla se transformaria em “trio elétrico”, quando o amigo e arquiteto pernambucano, Temístocles Aragão*, foi convidado para participar da festa. Naquele momento, o palco não era mais a Fobica, mas uma camionete. Aragão, porém,  abandonou o trio algum tempo depois.

Na contracapa do CD Filhos da Alegria (1996), Osmar comenta: “Minha obra musical foi pequena, a atividade mecânica, que foi o sustentáculo da família, tolheu-me o tempo que poderia ter dedicado à música […] A maioria das minhas composições foram instrumentais, seguindo a linha do “frevo rasgado”, de Nelson Ferreira. Espero gravá-las em outra oportunidade. Nas capas dos LP’s onde foram gravadas essas músicas, desde o Carnaval de 1975 e também nos shows onde me apresento pelo mundo afora, faço uma carinhosa referência ao frevo pernambucano como peça fundamental na criação do trio elétrico”.

Osmar passou onze anos longe do circuito carnavalesco. Na década de 60, desgostoso com as dificuldades para sair com o trio e preocupado com a excessiva dedicação dos filhos à música, ele abandonou temporariamente seu invento. Nos anos 60, entrou em cena Orlando Campos, que viria a ser conhecido como Orlando Tapajós. Em 1969, Caetano Veloso compôs a famosa marchinha “Atrás do Trio Elétrico”, em homenagem ao trio de Dodô e Osmar.

  

  O Trio patrocinado pelo guaraná Fratelli Vita (1952), com Dodô e Osmar, em Feira de Santana

Orlando Tapajós, por outro lado, foi o responsável pela profissionalização do trio elétrico, adotando placas de metal no lugar da carroceria do caminhão e vendendo publicidade. Em 1972 ele saiu com um trio que tinha a forma de uma nave espacial, que foi batizada como a Caetanave, em homenagem a Caetano Veloso que voltara do exílio imposto pela ditadura militar.

Depois dessa longa ausência, em 1974, a dupla Dodô e Osmar retornou ao Carnaval baiano com uma nova formação: “Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar”. Na ocasião, eles gravaram o disco “Jubileu de Prata”, que foi lançado no início de 1975, em comemoração aos 25 anos de criação do Trio.

Da Fobica à Caetanave e, a partir daí, cada vez mais sofisticados, os trios começaram a mudar de aparência e a adotar o luxo, entre eles, camarim com ar condicionado, geradores potetíssimos e sanitários modernos;  hoje eles são responsáveis por uma movimentação de milhões de reais e enquanto palco móvel, permite que os artistas ofereceam espetáculos na rua para milhares de pessoas. Osmar, que sempre viveu do seu trabalho na construção civil, confessa que nunca ganhou dinheiro com o invento e que ele e Dodô nunca pensaram em patentear o “Trio Elétrico”. Em suas apresentações na Bahia, dependiam de patrocínio, sempre conquistado a duras penas.  Tampouco Dodô, que morreu em 1978, se beneficiou financeiramente da “maquina da alegria”.

Em 1983, um Trio Elétrico se apresentou pela primeira vez no exterior, na  Piazza Navona, em Roma, diante cerca de 80 mil pessoas, ao som de Armandinho, Dodô e Osmar. No ano de 1985 foi a vez da França, onde o trio tocou para mais de 100 mil pessoas, em Toulouse, viajando em seguida, para outras cidades como Nice e Toulon. Daí em diante, as viagens internacionais foram muita e, em uma delas, no festival de Montreux, ele conheceu pessoalmente Paco de Lucia, de quem era fã; segundo Osmar, esta foi  uma das  grandes alegrias da sua vida

 

         Foto oferecida à autora em 1996 – Osmar, a Fobica e o “pau elétrico”

Em 1997, aos 74 anos, Osmar Macedo faleceu. O seu corpo foi velado no Palácio da Aclamação, em Salvador e o cortejo, acompanhado por vários trios elétricos, parou na Praça Castro Alves, onde ocorre o tradicional encontro dos trios durante o carnaval e onde  Osmar foi homenageado pelos músicos baianos. Ele foi sepultado no Jardim da Saudade, ao som de “Brasileirinho”, uma das suas músicas preferidas, tocada por seu filho e companheiro de trio, Armandinho. Em 1998 foi inaugurado, na Praça Castro Alves, palco de grandes espetáculos da dupla, um monumento em homenagem à  Dodô e Osmar.

 Um “desafilho” entre Osmar e Armandinho no final dos anos 70 (o vídeo é antigo e de má qualidade, mas o duelo entre os dois músicos é extraordinário).

Em 2000, quando foi comemorado o Jubileu de Ouro, Osmar, que tanto desejou participar dessa festa, não estava mais entre nós. No entanto, a Fobica estava lá; em 2010 foram  festejados os 60 anos de existência do Trio. Os seus nomes continuam lembrados e festejados, não somente como os criadores do Trio Elétrico, mas como os músicos que transformaram o carnaval da Bahia.

* – Segundo o leitor João Campos de Aragão, em comentário neste post, Temístocles não era Pernambucano e sim baiano: “Temistocles Campos de Aragão não era pernambucano e sim cidadão soteropolitano, nascido em 09 de julho de 1928 no bairro da Liberdade e falecido tragicamente em um acidente automobilístico com sua esposa Edna Bouças de Aragão, ocorrido em 23 de maio de 1976”.

Post publicado originalmente em “Leni David – De Tudo um Pouco” em 14/02/2010