Camisa listrada

O carnaval chegou ao fim. Beijos, amores, muita curtição e até corações partidos no final da festa. Agora é esperar 2014.

Durante o reinado de Momo não saí de casa, embora seja foliã assumida; mas,  o tempo passou e não me adapto mais ao carnaval moderno, vendido, espremido. Não acho a menor graça em camarotes e o espaço da rua está muito disputado, muito estreito para o meu gosto.

Hoje uma amiga me contou que fugiu da folia e foi descansar numa praia tranquila, daquelas que ainda não foram invadidas pelo “progresso”; mas, no domingo à tarde ouviu um som alegre na rua e foi espiar. Era uma bandinha que passava tocando marchinhas e sambas e que animava os moradores do lugar. Não resistiu. Pegou a filha pequena pela mão e correu atrás. Acompanhou a charanga até a pracinha do vilarejo e dançou até o sol desaparecer no horizonte. A menina adorou a fuzarca e a minha amiga, sorridente, não cabia em si de contentamento.

Fiquei com um poucquinho de inveja, da boa.

Bem que eu gostaria de ter participado daquele carnaval improvisado, porque o bom da festa é a irreverência, o inesperado, a alegria das coisas simples.

Lembrei então de um samba antigo, daqueles inesquecíveis, que todo mundo conhece. Trata-se de Camisa Listrada (1937), de Ary Barroso, imortalizado por Carmem Miranda no carnaval de 1938. Acredito que ele resume o espírito do carnaval, descompromissado e irreverente, de muitos brasileiros por esse país afora.

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Ano Novo – Nouvelle Année

 

Pedras no caminho? Guardo todas; um dia vou construir um castelo… Dizia a poeta Cora Coralina.

É evidente que a vida prega peças e que 2012 foi um ano cheio; um pouco de coisas boas, algumas frustrações, algumas desavenças e momentos de alegria e felicidade.

O ano novo pode ser diferente, maravilhoso, divertido; mas certamente não será perfeito, em razão das pedras no caminho.

Mas, em 2013, quero um olhar novo e o coração tranquilo para desejar paz aos meus amigos, e uma luz tão serena em suas vidas quanto a da lua de Itaparica sobre as águas da Baía de Todos os Santos.

E como diz o poeta Idmar Boaventura,

… ano a ano,

Janeiro nos rejuvenesce,

com sua porção generosa

de esperança.

Por isso convido a todos para um brinde, proposto pelo poeta. Que o Ano Novo seja um Ano BOM. Feliz 2013!

A foto da lua cheia sobre a Baía de Todos os Santos foi feita por mim, em Mar Grande (Itaparica), e tem ao fundo a cidade de Salvador – Bahia

Maintenant la traduction pour les amis français :

Des pierres sur le chemin? Je les garde, toutes; un jour je construirai un château avec elles… Disait la poétesse Cora Coralina.

Il est évident que la vie nous donne des coups et que 2012 a été une année pleine; un peu de bonnes choses, quelques frustations, quelques malentendus et des moments de joie et de bonheur.

La nouvelle année peut être différente, merveilleuse, joyeuse; mais, certainement elle ne sera pas parfaite, à cause des pierres sur le chemin.

Mais, en 2013, je veux avoir un regard nouveau et le coeur tranquille pour souhaiter la paix à tous mes amis, et une lumière si sereine dans leur vie, comme celle de la lune d’Itaparica sur les eaux de la Baie de Tous les Saints, à Bahia.

Joyeux 2013!

                          Brinde

 

Antônio Brasileiro

Se a mente, que não é nada, mantém-se quieta

e as vozes do remorso não persistem,

eis o momento de desvendar enigmas,

de relembrar caminhos

e de tomar uns chopes com os amigos.

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Pois se a mente, que não é nada, está quieta

– os enigmas mais crus, domesticados –

e o passado é um pássaro em nossa mão,

eis que o homem conhece a perfeição.

E como tudo passa tão rapidamente,

é bom brindar essas coisas com amigos.

 

Festas, luzes, brilhos…

 

Se me perguntarem qual a minha festa preferida direi sem titubear: o São João. Houve um tempo em que a festa junina disputava com o carnaval. Mas, depois que os festejos carnavalescos foram privatizados o São João conquistou um lugar cativo no meu coração. Festa alegre, animada por música descontraída, um convite à dança. Decoração singela, muito colorida e um convite à gula, haja vista a fartura de iguarias regionais. Encontro de filhos, amigos, parentes queridos que moram distante; enfim, festa de alegria.

E o Natal? Acho bonito; gosto das luzes, das ruas iluminadas, dos presépios, que hoje estão quase em extinção, e do encontro entre as pessoas que se querem bem. Detesto ver as ruas e principalmente os shoppings cheios de pessoas apressadas numa ânsia incontida de consumo. Sinto a sensação de estar encurralada e, ao mesmo tempo, prisioneira do trânsito e do brilho que ofusca. Também acho o Natal uma festa triste, quando deveria ser uma festa de alegria, pois se comemora o aniversário de um menino. Mas será que muitas pessoas lembram desse aniversário? Tenho a impressão de que o Natal também provoca tristeza e decepções. O apelo é muito forte! As pessoas sozinhas, doentes ou pobres ficam mais sozinhas ainda, pois ninguém tem tempo para pensar nelas.

Pensando nessas coisas decidi tirar da gaveta um texto que escrevi em 17 de dezembro de 1977 e que ofereci a uma pessoa muito querida, Naidison Baptista, meu professor de Metodologia do Trabalho Científico, na UEFS. Naidison era severo e provocador; ele sempre dizia que nos acomodávamos facilmente e que precisávamos melhorar. Como era fim de ano e como o Natal se aproximava, esse texto foi oferecido ao professor, que para mim era uma espécie de guru. Foi a primeira vez que tive a coragem de revelar publicamente escritos que mantinha engavetados, em segredo, e este gesto significou, também, uma libertação, um jeito de confessar sentimentos e coisas que poderiam ser julgadas. Eu tinha certeza de que Naidison entenderia.

Hoje, 35 anos depois, reencontrei o texto em questão e decidi publicá-lo aqui no blog, sem medo de julgamentos.

 

Mais um conto de Natal

Leni David

Estudava na escola primária e um dia, na hora do recreio, vi uma menina com um boneco. Era um palhaço equilibrista. Quis tocá-lo, mas ela puxou-o para perto de si com um grito: é meu!

O palhaço equilibrista não me saía da cabeça. Menina interiorana, nunca tinha ouvido falar em Papai Noel. Mas, dezembro se aproximava e me contaram que aquele velhinho distribuía presentes na noite de Natal. Disseram-me que precisava escrever uma carta e deixar os sapatos atrás da porta do quarto.

Escrevi uma carta para Papai Noel, uma carta carinhosa, na qual eu contava que passara de ano, que tinha sido bem comportada e um rosário de coisas boas para merecer o presente. Eu queria um palhaço equilibrista!

Até aquele dia eu só conhecia do Natal, o presépio, e a história dos reis magos, que foram guiados até Belém por uma estrela que anunciava o nascimento do Deus Menino. Achava bonito o presépio enfeitado com musgos, pedras, conchas e areia branquinha; achava bonitas as casinhas de papelão e as figuras de barro espalhadas na areia. Na manjedoura, Maria, José, o boi, o burro, os carneirinhos, o galo, a grande estrela dourada e o Deus Menino deitado nas palhas de braços abertos, nu, sorrindo.

Na volta da missa do galo, da qual participava a maioria da comunidade local, um grande incêndio fez da minha rua um inferno; era a maior casa comercial da cidade que pegava fogo. As labaredas medonhas pareciam lamber o céu.

Era Natal e eu queria que as labaredas se dissipassem, que as explosões terminassem, para permitir a passagem do Papai Noel. Era preciso dormir, pois o velhinho só visitava as casas no silêncio da noite, quando todos dormiam.

Acordei cedo e corri na direção dos sapatos que estavam enfileirados atrás da porta do quarto. Estavam vazios; oito pares de alpercatas surradas, todas vazias. Lembro dos olhos grandes de uma das minhas irmãs mais novas, arregalados, interrogadores. Pensei; Papai Noel, certamente ficara assustado com o fogo e odiei aquele incêndio.

O movimento da rua naquela manhã natalina era diferente. As crianças da vizinhança, todas, tinham presentes para mostrar: bolas, petecas, bonecas e até velocípedes!

Por que eu não tinha um palhaço equilibrista?

Lembro das grossas lágrimas que escorriam dos olhos da minha mãe, e é por isso que eu não gosto de você, Papai Noel!

Feira, 17/12/1977.