“Atrás do trio elétrico vou
Dançar ao negro toque do agogô
Curtindo minha baianidade nagô ô ô ô ô
Eu queria
Que essa fantasia fosse eterna
Quem sabe um dia
A Paz vence a guerra
E viver será só festejar”…
.
“Atrás do trio elétrico vou
Dançar ao negro toque do agogô
Curtindo minha baianidade nagô ô ô ô ô
Eu queria
Que essa fantasia fosse eterna
Quem sabe um dia
A Paz vence a guerra
E viver será só festejar”…
.
Um Homem e seu Carnaval
Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido,
Sem olhos, sem boca
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.
O pandeiro bate
é dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.
Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando os corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.
Deus me abandonou
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter
curvas curvas curvas
bandeiras de préstitos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente.
Poema de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) publicado no seu primeiro livro, Brejo das Almas.
Os primeiros carnavais
Aurélio Schommer
Carnaval, na Bahia, surgiu como divertimento da elite, espelhado na festa de mesmo nome de Paris e Veneza, sem contar, porém, com a liberalidade de costumes das cidades europeias, especialmente da italiana, onde o carnaval durava dois meses ou mais, durante os quais aconteciam coisas que fazem o nosso carnaval de hoje parecer muito comportado, muito certinho. Mas isso quanto a costumes, pois a violência sempre passou longe do divertimento da elite europeia, mais interessada em bailes de máscaras e cortejos suntuosos.
A tradição do carnaval remonta às mais antigas civilizações registradas, mas a festa só passou a ter esse nome (corruptela de “a carne vale”) com o advento do cristianismo e consequente adoção da quaresma. Desde então, as cidades europeias que o adotaram aliaram festa e refinamento.
A partir de meados do século XIX, a elite soteropolitana começou a fazer bailes de máscaras e fantasias nos melhores salões da cidade, sem acesso ao povão, obviamente. Mais adiante, garantida a segurança pela polícia, os mais abastados tomariam as ruas em suntuosos e festivos cortejos, sempre com suas máscaras e fantasias. Para garantir que não houvesse concorrência, pois os africanos e seus descendentes tinhas suas próprias máscaras, proibiu-se a estes o uso de tais disfarces.
Assim, em 1879, os jornais registravam a ordem do chefe de polícia de Salvador “que fosse substituído esse uso bárbaro (entrudo) pelos divertimentos do carnaval”. A campanha pelo banimento do entrudo e oficialização do carnaval atingiu diversas cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Recife e Ilhéus. Mas as festas nos salões ricos continuavam, os bailes de carnaval, tal como são realizados até nossos dias.
Do início dos desfiles de carnaval, que passaram a incluir carros alegóricos, até 1907, pelo menos, carnaval e entrudo conviveram nas ruas, não sem uma severa repressão policial aos adeptos dos velhos hábitos do entrudo. Houve também contaminação do entrudo pelo carnaval e vice-versa. Era o embrião do carnaval de rua, que mistura a fantasia, os cortejos, com brincadeiras.
O confete e a serpentina, novidades trazidas do carnaval parisiense, além de outras inovações, tornaram o carnaval de rua um evento popular e, ao mesmo tempo, incentivado e controlado pelas autoridades e pelos jornais, que muito combatiam o “crime contra a humanidade e à civilização”, representado pelo velho entrudo.
No início do século XX, as sociedades e clubes carnavalescos dominavam a cena do carnaval de rua, com desfiles ao som de marchas militares e óperas. Era época de União Veneziana, Baiano, Girondinos, Pierrôs da Caverna e outros.
Os desfiles de carnaval, chamados de corso, tornam-se também atração turística, com muitos vindo do interior para assistir. Com o tempo, os carros alegóricos seriam substituídos pelos automóveis, uma ideia do que estava por vir, o carnaval moderno, centrado no trio elétrico.
Aurélio Schommer – É natural de Caxias do Sul – RS (1967), radicado em Salvador desde 1995, é escritor e vice-presidente do Conselho Estadual de Cultura da Bahia. Em 2011, foi o curador da 1ª edição da Flica, de que é fundador e participante da curadoria. É ex-presidente da Câmara Bahiana do Livro – CBaL (gestão 2009/2010). Autor de “História do Brasil vira-lata” (Casarão do Verbo – 2012), tem oito títulos publicados, entre romances, relatos históricos, livro de contos e o Dicionário de Fetiches (2008), obra de referência. Participa de um quadro periódico sobre literatura na rádio Educadora, de Salvador.
O carnaval chegou ao fim. Beijos, amores, muita curtição e até corações partidos no final da festa. Agora é esperar 2014.
Durante o reinado de Momo não saí de casa, embora seja foliã assumida; mas, o tempo passou e não me adapto mais ao carnaval moderno, vendido, espremido. Não acho a menor graça em camarotes e o espaço da rua está muito disputado, muito estreito para o meu gosto.
Hoje uma amiga me contou que fugiu da folia e foi descansar numa praia tranquila, daquelas que ainda não foram invadidas pelo “progresso”; mas, no domingo à tarde ouviu um som alegre na rua e foi espiar. Era uma bandinha que passava tocando marchinhas e sambas e que animava os moradores do lugar. Não resistiu. Pegou a filha pequena pela mão e correu atrás. Acompanhou a charanga até a pracinha do vilarejo e dançou até o sol desaparecer no horizonte. A menina adorou a fuzarca e a minha amiga, sorridente, não cabia em si de contentamento.
Fiquei com um poucquinho de inveja, da boa.
Bem que eu gostaria de ter participado daquele carnaval improvisado, porque o bom da festa é a irreverência, o inesperado, a alegria das coisas simples.
Lembrei então de um samba antigo, daqueles inesquecíveis, que todo mundo conhece. Trata-se de Camisa Listrada (1937), de Ary Barroso, imortalizado por Carmem Miranda no carnaval de 1938. Acredito que ele resume o espírito do carnaval, descompromissado e irreverente, de muitos brasileiros por esse país afora.
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