Aniversário de Salvador – 463 anos

 

BAHIA DE TODOS OS SANTOS

 

A Jorge de Lima

Bahia, minha Bahiazinha,

vou escrever hoje o teu poema, terrinha do meu coração!

Bahia de Todos os Santos,

és u’a morena preguiçosa,

certas horas, dormindo descuidada,

na rede azul que o mar balança.

Não usas, mais, morena, o pano-da-costa listrado

preto e branco,

vermelho e amarelo.

Mãe-natureza te deu um chalé de seda fina,

feito de espumas quentes e folhas verdes.

És faceira,

apetitosa,

e dengosa,

de seios túmidos e pontudos como jabuticaba, verdes e enormes.

Os palacetes Martins Catharino,

o velho e o novo, são as tuas pomas encardidas

que o sol morde com sensação,

o dia inteiro

Eu gosto de ti,

minha Bahia, porque és u´a morena educada,

que tudo sabe e tudo faz.

Eu gosto de ti, quando nos matos, nos candomblés,

tu te remexes devagarinho,

ou ligeirinho,

numa tontura,

numa luxúria,

desesperada.

Eu te amo no “Baiano de Tênis”,

quando te imposturas pra cima da gente.

És melindrosa, neste momento,

de ruge e pó no teu rostinho

estrangeirinho

                  de bangalô.

E mais me encantas,

quando te encontro

lá na cozinha,

encarvoada,

lambuzada

de azeite doce e de dendê.

Bahia,

o teu vatapá gostoso

está me parecendo, digo sério,

um manjar do céu. E foi provando-o

que o escritor disse que a Paris só falta

um vatapá baiano.

E me ri muito, naquela noite, na “Petisqueira”,

vendo um carioca almofadinha

comendo

e chorando com o ardor

da pimenta de cheiro

e da malagueta.

E todo sulista quer provar,

embora chorando, do teu efó apimentado,

deste caruru que sabes fazer com sururu,

e do vatapá doirado e do acarajé amassado por ti.

                Ai! minha Bahia, que coisa gostosa é acarajé!…

É um pomo de ouro,

          amarelinho,

          redondinho,

          delicioso,

que Ogum deixou pra gente.

O, acarajé, minha gentinha,

não tem, não tem aquele

gosto ruim de beijo chupado

que Jorge de Lima diz.

Um acarajé tem o gosto gostoso

de um lábio pintado de menina novinha.

E aquele ardor que nos fica na língua

foi a dentadinha que a menina nos deu.

Ai! Bahia!

as tuas frutas,

a laranja,

o araçá,

o caju,

a jabuticaba, o coco verde comido em Amaralina

foi Nosso Senhor que deixou cair do céu.

Bahia, Bahiazinha guerreira,

morena fértil que tem filhas bonitas, como o Brasil de Álvaro Moreyra!

Feira de Santana, (minha terra)!

           Cachoeira,

           terra do meu amigo

           Clóvis da Silveira Lima;

                          Santo Amaro

                          que faz lembrar

                          os não sei quantos filhos

                          que deixou aquele barão;

                                          Alagoinhas,

                                          onde mora o velho poeta Assis Tavares;

                                          Ilhéus,

          a menina orgulhosa e rica e vaidosa

          que só tem vestido de seda radium,

          enfeitado de madrepérola e lantejoila,

                    e arminho,

comprado às custas dos seus caxixes! …

Bahia!

Lá o sino tocou:

é a Bahia que vai rezar

lá na Sé,

na Catedral-Basilica,

em São Francisco

e no Bonfim.

E o convento da Piedade

e o de São Bento

são dois frades rezando,

com o capuz às costas.

“Dlindão!… dlão!…

dilindlão! dilindlão!…”

A Bahia é religiosa,

     ela crê em Nosso Senhor.

          Ela não tem inveja da França,

                porque tem Nossa Senhora das Candeias,

                       que apareceu a u’a menina

                                 da roça.

                                                           Bahia!

Estou ouvindo a música dos teus benditos alegres,

nas romarias que fazes às Candeias,

                    pelo rio

                    e pelo mar.

Estou vendo a ponte de São João,

que parece um braço magro de mulher velha e pelancuda,

fazendo carícia ao mar,

se balançando com o peso dos trens

                   que vão levar

                   os romeiros

                   aos pés da Virgem

                   Mãe

                            de Deus.

Me perdoa, minha Bahia,

o mal que te fiz,

fazendo mal o teu poema.

 

Publicado em Arco e Flexa, Salvador. I: 42-46, novembro de 1929.

 

Eurico Alves Boaventura

“O poeta baiano Eurico Alves Boaventura, nascido em 1909 na cidade Feira de Santana, faleceu aos 65 anos (1974) em Salvador. Rebelde participante da turma de Arco e Flexa, revista que congregou de 1928 a 1929, em Salvador, jovens escritores desejosos de acompanhar as transformações da vida literária no Brasil. O grupo liderado por Carlos Chiacchio, escritor de raízes simbolistas, reunia além de Eurico Alves Boaventura, os escritores Pinto de Aguiar, Carvalho Filho, Hélio Simões, Ramayana Chevalier, De Cavalcante Freitas, Queirós Jr. Da época agitada e alegre do Modernismo Arco e Flexa são datados os poemas de Eurico Alves.