Homenagem à querida, bela e sofrida Salvador.
Homenagem à querida, bela e sofrida Salvador.
BAHIA DE TODOS OS SANTOS
A Jorge de Lima
Bahia, minha Bahiazinha,
vou escrever hoje o teu poema, terrinha do meu coração!
Bahia de Todos os Santos,
és u’a morena preguiçosa,
certas horas, dormindo descuidada,
na rede azul que o mar balança.
Não usas, mais, morena, o pano-da-costa listrado
preto e branco,
vermelho e amarelo.
Mãe-natureza te deu um chalé de seda fina,
feito de espumas quentes e folhas verdes.
És faceira,
apetitosa,
e dengosa,
de seios túmidos e pontudos como jabuticaba, verdes e enormes.
Os palacetes Martins Catharino,
o velho e o novo, são as tuas pomas encardidas
que o sol morde com sensação,
o dia inteiro
Eu gosto de ti,
minha Bahia, porque és u´a morena educada,
que tudo sabe e tudo faz.
Eu gosto de ti, quando nos matos, nos candomblés,
tu te remexes devagarinho,
ou ligeirinho,
numa tontura,
numa luxúria,
desesperada.
Eu te amo no “Baiano de Tênis”,
quando te imposturas pra cima da gente.
És melindrosa, neste momento,
de ruge e pó no teu rostinho
estrangeirinho
de bangalô.
E mais me encantas,
quando te encontro
lá na cozinha,
encarvoada,
lambuzada
de azeite doce e de dendê.
Bahia,
o teu vatapá gostoso
está me parecendo, digo sério,
um manjar do céu. E foi provando-o
que o escritor disse que a Paris só falta
um vatapá baiano.
E me ri muito, naquela noite, na “Petisqueira”,
vendo um carioca almofadinha
comendo
e chorando com o ardor
da pimenta de cheiro
e da malagueta.
E todo sulista quer provar,
embora chorando, do teu efó apimentado,
deste caruru que sabes fazer com sururu,
e do vatapá doirado e do acarajé amassado por ti.
Ai! minha Bahia, que coisa gostosa é acarajé!…
É um pomo de ouro,
amarelinho,
redondinho,
delicioso,
que Ogum deixou pra gente.
O, acarajé, minha gentinha,
não tem, não tem aquele
gosto ruim de beijo chupado
que Jorge de Lima diz.
Um acarajé tem o gosto gostoso
de um lábio pintado de menina novinha.
E aquele ardor que nos fica na língua
foi a dentadinha que a menina nos deu.
Ai! Bahia!
as tuas frutas,
a laranja,
o araçá,
o caju,
a jabuticaba, o coco verde comido em Amaralina
foi Nosso Senhor que deixou cair do céu.
Bahia, Bahiazinha guerreira,
morena fértil que tem filhas bonitas, como o Brasil de Álvaro Moreyra!
Feira de Santana, (minha terra)!
Cachoeira,
terra do meu amigo
Clóvis da Silveira Lima;
Santo Amaro
que faz lembrar
os não sei quantos filhos
que deixou aquele barão;
Alagoinhas,
onde mora o velho poeta Assis Tavares;
Ilhéus,
a menina orgulhosa e rica e vaidosa
que só tem vestido de seda radium,
enfeitado de madrepérola e lantejoila,
e arminho,
comprado às custas dos seus caxixes! …
Bahia!
Lá o sino tocou:
é a Bahia que vai rezar
lá na Sé,
na Catedral-Basilica,
em São Francisco
e no Bonfim.
E o convento da Piedade
e o de São Bento
são dois frades rezando,
com o capuz às costas.
“Dlindão!… dlão!…
dilindlão! dilindlão!…”
A Bahia é religiosa,
ela crê em Nosso Senhor.
Ela não tem inveja da França,
porque tem Nossa Senhora das Candeias,
que apareceu a u’a menina
da roça.
Bahia!
Estou ouvindo a música dos teus benditos alegres,
nas romarias que fazes às Candeias,
pelo rio
e pelo mar.
Estou vendo a ponte de São João,
que parece um braço magro de mulher velha e pelancuda,
fazendo carícia ao mar,
se balançando com o peso dos trens
que vão levar
os romeiros
aos pés da Virgem
Mãe
de Deus.
Me perdoa, minha Bahia,
o mal que te fiz,
fazendo mal o teu poema.
Publicado em Arco e Flexa, Salvador. I: 42-46, novembro de 1929.
Eurico Alves Boaventura
“O poeta baiano Eurico Alves Boaventura, nascido em 1909 na cidade Feira de Santana, faleceu aos 65 anos (1974) em Salvador. Rebelde participante da turma de Arco e Flexa, revista que congregou de 1928 a 1929, em Salvador, jovens escritores desejosos de acompanhar as transformações da vida literária no Brasil. O grupo liderado por Carlos Chiacchio, escritor de raízes simbolistas, reunia além de Eurico Alves Boaventura, os escritores Pinto de Aguiar, Carvalho Filho, Hélio Simões, Ramayana Chevalier, De Cavalcante Freitas, Queirós Jr. Da época agitada e alegre do Modernismo Arco e Flexa são datados os poemas de Eurico Alves.
Uma charge de Chico Caruso