Champanhe no maxixe

O artigo abaixo foi publicado no Caderno Cultural do Jornal A Tarde,  em 10/01/2009 como contribuição para o Ano da França no Brasil, que teve início em abril daquele ano, com cerca de setecentos eventos culturais, econômicos e esportivos em todo país.

Brasil e França: reciprocidade musical

 Leni David

Dois franceses legendários foram os precursores de um lançamento musical cujo nome era inspirado do ritmo brasileiro do Maxixe. Foram eles o compositor Charles Borel-Clerc e o cantor Felix Mayol. O primeiro havia iniciado sua carreira em 1903 e graças ao sucesso da canção de sua autoria, Amour de trottin, a pedido do editor Ricordi, compôs La Machiche (O Maxixe) para Felix Mayol, que se tornou seu parceiro na letra. Anunciada como “uma célebre canção espanhola”, tratava-se simplesmente de um arranjo da ópera O Guarany, de Carlos Gomes, em ritmo de passodoble à qual foi adaptada uma letra maliciosa.

Em 1908, porém, o verdadeiro Maxixe estreou em Paris com a dupla brasileira Os Geraldos, que se apresentava no Théâtre Marigny. Mas o grande sucesso desse ritmo só aconteceria com a chegada de Duque, Antônio Lopes de Amorim Diniz, baiano, dentista, que havia vivido no Rio de Janeiro como representante farmacêutico e que mudara-se para a França.

OITO BATUTASBon vivant, dono de uma elegância impecável e excelente dançarino, Duque, que frequentava a noite parisiense, constatou o grande sucesso das danças exóticas na capital francesa. Resolveu abrir uma curso de dança em Pigalle, onde dava aulas e graças ao sucesso alcançado apresentava-se dançando Maxixe com suas parceiras, em teatros e cabarés parisienses. Duque foi aclamado como dançarino e logo tornou-se proprietário do Tango Duque Cabaret. Em 1914 foi convidado para inaugurar e dirigir o Dancing Luna Park, onde se reunia a elite parisiense, inclusive o Presidente Poincaré.

O sucesso e o prestígio de Duque, aliados ao patrocínio de Arnaldo Guinle facilitariam a ida dos Oito Batutas para a França, em janeiro de 1922, com contrato para tocar no Dancing Shéhérazade durante um mês. No entanto, seis meses depois o grupo fazia sucesso em Paris e só voltaria ao Brasil em agosto, por “não suportar as saudades de casa” e em razão dos festejos do centenário da Independência do Brasil. Nessa época, o choro e o samba foram as grandes novidades no ambiente musical parisiense. Exemplos bem significativos desse sucesso são as interpretações de Carinhoso, de Pixinguinha, pelo violonista Django Reinhardt, a interpretação da orquestra Ray Ventura et ses Collégiens de Apanhei-te Cavaquinho, de Ernesto Nazaré e de Tico-tico no fubá, de Zequinha de Abreu.

Os Oito Batutas em Paris (1921) Acervo da Biblioteca Nacional

 

MAXIXE – Mas é preciso lembrar do compositor Darius Milhaud, secretário particular de Paul Claudel, embaixador da França no Brasil entre 1914 e 1918. De volta ao seu país Millhaud homenageou o Brasil em duas de suas obras: A primeira, de 1919, Le bœuf sur le toit, inspirada do maxixe (Boi no telhado) lançado no carnaval de 1918 no Rio, pelo compositor Zé Boiadeiro, pseudônimo de José Monteiro, e de outros elementos da cultura popular brasileira. A composição de Millhaud foi adaptada para balé por Jean Cocteau e tornou-se posteriormente nome de uma reputada casa noturna parisiense onde o ritmo brasileiro despertava admiração;Le bœuf sur le toitera era frequentado por intelectuais como Apollinaire, Léger, o próprio Cocteau e Darius Milhaud, além de Blaise Cendrars, entre outros. A segunda, Saudades do Brasil, uma suíte para piano, orquestrada posteriormente, foi lançada em 1921.

LA CHOUPETTA – Na realidade, são muitas as adaptações e versões da canção brasileira difundidas na França. Ariane Witkowksky cita uma série de canções brasileiras gravadas por artistas franceses, entre elas, Mamãe eu quero mamar, de Vicente Paiva e Jararaca, adaptada por Maurice Chevalier como La Choupetta, cujo tom malicioso do original em português foi mantido. Em 1938, a marchinha carnavalesca Touradas em Madrid foi adaptada por Maurice Vandair sob o título de Le Matador Pararatcimboum num ritmo semelhante ao do passodoble, executada pela orquestra de Jacques Hélian. Em 1942 foi a vez do cantor Jean Sablon adaptar Amélia, de Mário Lago e Ataulfo Aves. Ele cantou ainda Peguei um Ita no Norte e Não tem solução de Dorival Caymmi e Ave Maria no morro de Herivelto Martins.

Ainda segundo Witkowsky, a França descobriu os ritmos negros com trinta anos de atraso. Como se não bastasse, também negligenciou a recomendação de Noel Rosa, “o samba não tem tradução em idioma francês”; no entanto, além de traduzir sambas brasileiros, eram  adaptados novos estilos, como o samba-canção e o samba exaltação, muito em voga nos anos 40-50 e até mesmo o baião. Assim, Kalu, de Humberto Teixeira, transformou-se em Kalou e tornou-se quase irreconhecível na interpretação de artistas como Yvette Giraud.

 NACIONALISMO – Outro aspecto importante vinculado à divulgação da música brasileira na Europa diz respeito aos filmes de Walt Disney, produzidos durante a instituição da “política da boa vizinhança”, protagonizada pelo Brasil e Estados Unidos durante a segunda Guerra Mundial. A música produzida nessa época foi marcada por um excesso de nacionalismo e por valores ideológicos e políticos. A “baiana” de Carmem Miranda e os sambas-exaltação eram utilizados como propaganda do Brasil no exterior.

Depois do lançamento do filme de Disney Você já foi à Bahia? – cujo título é o mesmo da canção de Caymmi lançada no Brasil em 1941 – que teve Ary Barroso como responsável por parte da trilha sonora, as canções Aquarela do Brasil, Na Baixa do Sapateiro e Boneca de Pixe, depois de adaptadas para o francês foram cantadas por Joséphine Baker, Luis Mariano e Glória Lasso. Em contrapartida pelo apoio do Brasil ao Estados Unidos, Disney criou o personagem Zé Carioca, parceiro do Pato Donald, que no filme se apaixona pela Iaiá vendedora de quindins, Aurora Miranda, na Praça Cairu (veja vídeo abaixo). Segundo Afonso Romano de Sant’Anna, o nacionalismo tornou-se um dado social e histórico bem típico da música brasileira daquele momento. Este painel sonoro de temas, ritmos e valores ideológicos foram estimulados pelo DIP – Departamento de Informações e Publicidade da ditadura Vargas, principal instrumento de repressão e censura. Certo é que essas canções chegaram à França via Estados Unidos.

Além dos artistas franceses em evidência na época, a brasileira Vanja Orico, famosa pelas canções “folclóricas” interpretadas em filmes nacionais dos anos 50, sobretudo O Cangaceiro, concorreu para divulgar a música brasileira no exterior com canções como Ninguém me ama (Fernando Lobo, Antônio Maria e J. C. Damal) e Maringá de Joubert de Carvalho.

BOSSA NOVA – Dando continuidade a essa febre de versões da música brasileira pelos artistas franceses, por ocasião do lançamento do filme Orfeu de Carnaval em 1958, uma nova onda de adaptações de letras brasileiras tomou conta do ambiente artístico francês. Entre elas o samba Madureira chorou (Se tu vas à Rio) de Carvalhinho e Júlio Monteiro, que  fez bastante sucesso. Ocorre que na sua versão original a letra fazia  uma homenagem à atriz Záquia Jorge que havia falecido vítima de um acidente. Na versão francesa, porém, a letra sugere que “se você for ao Rio não esqueça de subir o morro/ para ver os cariocas na festa do samba/ a mais louca das danças”. O grupo Les Compagnons de la Chanson, além de gravar Madureira chorou (Se tu vas à Rio), também gravou Andorinha Preta, traduzida como Amour brésilien.

Mas a música brasileira na França teria uma ascensão inesperada após o lançamento de Orfeu Negro, ganhador da Palma de ouro no Festival de Cannes em 1958, cujo sucesso projetaria Vinícius de Moraes, Tom Jobim e Luís Bonfá no cenário musical internacional. Nessa mesma época Vanja Orico gravou Manhã de Carnaval e A felicidade, temas do filme, também interpretadas por cantores franceses. Dando prosseguimento a essa ascensão, a Bossa Nova seria consagrada internacionalmente e a França não seria uma exceção. No entanto, após o lançamento do filme Um Homem, uma mulher de Claude Lelouch, em 1966, também agraciado com a Palma de Ouro em Cannes, a Bossa Nova se consolidou de forma definitiva e pôs em evidência um novo artista brasileiro, Baden Powell, que em parceria com Vinícius compôs o Samba da Bênção, um dos temas musicais do filme.

Continuaríamos de bom grado a discorrer sobre os artistas franceses e brasileiros, personagens desse intercâmbio cultural, se o tema não fosse vasto e se tivéssemos espaço para tanto. Desse modo é aconselhável arrematar esse pequeno resumo com um ponto final, haja vista que a trajetória dos artistas franceses no Brasil e dos artistas brasileiros na França, sobretudo a partir de 1966 é bastante rica em detalhes e em parcerias. Assim sendo, retomaremos o tema em outra ocasião.

         

Observação: O jornal A Tarde não publicou as referências bibliográficas, o que faço nesse momento, por achar que elas são fundamentais em qualquer trabalho de pesquisa.

Obras consultadas:

ALENCAR, Edigar de. O carnaval carioca através da música. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 5a ed, 1978.

CABRAL, Sérgio. Pixinguinha, vida e obra. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1979.

DREYFUS, Dominique. In PARVAUX, Solange & REVEL-MOUROZ, Jean. (Coordinateurs). Images réciproques du Brésil et de la France. Paris : Ministère de l’Éducation Nationale (France), Ministério da Educação (Brasil, Collection Travaux et Mémoires de l’IHEAL, n° 46, Série Thèses et Colloques, n° 2. 1991, p. 299-307.

EFEGE, Jota. Maxixe, a dança excomungada. Rio de Janeiro: Conquista, 1974.

LOPES, Antonio Herculano. “Um forrobodó da raça e da cultura“. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 21, nº 62, p. 69-83, outubro de 2006.

MILHAUD, Darius. Notes sur la musique. Paris :Flamarion, 1982.

NERONDE, Claude de. Le tango, la maxixe brésilienne. Paris : Librairie et Édition 40, rue de Seine, 1920.

SANTANA, Afonso Romano de, Música popular e moderna poesia brasileira, Vozes, Petröpolis, 1968.

SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante : técnica, ritmos e ritos do Rio.  In: Sevcenko, Nicolau e Novais, Fernando (org) História da vida privada no Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 1998.

SODRE, Muniz, Samba, o dono do corpo. Codecri, Rio de Janeiro, 1979.

SOUZA, Tärik de. Gostos e rostos da música popular brasileira. Porto Alegre, LPM, 1979.

TATIT, Luiz. A canção – eficácia e encanto, Atual, São Paulo, 2ª ed., 1987.

TINHORÃO, José Ramos. O samba agora vai – A farsa da música popular no exterior. Rio de Janeiro: JCM, 1969.

TINHORAO, José Ramos. Pequena História da música popular. Vozes, Petröpolis, 1978

Witkowsky, Ariane. Cahiers du Brésil contemporain, n° 12. Paris, décembre 1990, p.146-149.

 

14 de março – Dia Nacional da Poesia

 

 

A palavra poesia tem origem grega – poíesis – e significa ação de fazer algo, criação. A poesia é definida como a arte de escrever em versos, aquilo que desperta o sentimento do belo, com o poder de modificar ou imitar a realidade, segundo a percepção do artista. No passado os poemas eram cantados, acompanhados pela lira, um instrumento musical muito comum na Grécia antiga. Por isso, diz-se que a poesia pertence ao gênero lírico. Hoje podemos falar de poemas épicos, dramáticos e líricos.

As linhas de um poema são os versos. Ao conjunto de versos dá-se o nome de estrofe. Os versos podem rimar – ou não – entre si e obedecer a determinada métrica, que é a contagem das sílabas poéticas.

Os versos mais tradicionais são as redondilhas; a redondilha menor tem cinco sílabas, e a maior, sete; os versos decassílabos têm dez sílabas; os alexandrinos, doze.

A rima é um recurso utilizado para dar musicalidade aos versos, baseando-se na semelhança sonora das palavras do final ou, às vezes, do interior dos versos.

Rima, ritmo e métrica são características especiais de um poema e que podem variar, dependendo do movimento literário da época. A partir do Modernismo (1922) os versos livres são os mais utilizados.

 

O Dia Nacional da Poesia é comemorado no dia 14 de março em homenagem ao nascimento do poeta baiano Antônio Frederico de Castro Alves. Poeta do Romantismo, ele foi um dos maiores nomes da poesia brasileira.

Antônio Frederico de Castro Alves nasceu a 14 de março de 1847 na Fazenda Cabaceiras, comarca de Muritiba, a 42 Km da vila de Nossa Senhora da Conceição de “Curralinho”, hoje Castro Alves, na Bahia, e faleceu a 6 de julho de 1871, na cidade do Salvador, com apenas 24 anos de idade.

Em 1862 ingressou na Faculdade de Direito de Recife. Datam dessa época os seus amores pela atriz portuguesa Eugênia Câmara e a composição dos primeiros poemas abolicionistas. Em 1867 deixa Recife, indo para a Bahia onde faz representar seu drama Gonzaga. Segue depois para o Rio de Janeiro, recebendo incentivos dos escritores José de Alencar, Francisco Otaviano e Machado de Assis.

A 11 de novembro de 1868, em uma caçada nos arredores de São Paulo, feriu o calcanhar esquerdo com um tiro de espingarda, resultando-lhe a amputação do mesmo. Sobreveio, em seguida, a tuberculose, que lhe obriga a retornar à sua terra natal, onde veio a falecer.

Castro Alves pertenceu à Terceira Geração da Poesia Romântica (Social ou Condoreira), caracterizada pelos ideais abolicionistas e republicanos, sendo considerado a maior expressão da época

Suas obras mais destacadas  são: Espumas Flutuantes, Gonzaga ou A Revolução de Minas, A Cachoeira de Paulo Afonso,Vozes D’África, O Navio Negreiro, entre outras. Suas poesias são marcadas pela crítica à escravidão, motivo pelo qual é conhecido como “Poeta dos Escravos.

 

Poemas de Castros Alves

                                                      Vozes d’África
 
 

                                     Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?  
                                     Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes  
                                     Embuçado nos céus? 
                                     Há dois mil anos te mandei meu grito,  
                                     Que embalde desde então corre o infinito… 
                                               Onde estás, Senhor Deus?…
 

                                     Qual Prometeu tu me amarraste um dia  
                                     Do deserto na rubra penedia 
                                             — Infinito: galé! … 
                                     Por abutre — me deste o sol candente,  
                                     E a terra de Suez — foi a corrente  
                                                 Que me ligaste ao pé…
 

                                     O cavalo estafado do Beduíno  
                                     Sob a vergasta tomba ressupino  
                                     E morre no areal. 
                                     Minha garupa sangra, a dor poreja,  
                                     Quando o chicote do simoun dardeja  
                                                O teu braço eternal.
 

                                     Minhas irmãs são belas, são ditosas…  
                                     Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas  
                                     Dos haréns do Sultão. 
                                     Ou no dorso dos brancos elefantes  
                                     Embala-se coberta de brilhantes  
                                     Nas plagas do Hindustão.
 

                                     Por tenda tem os cimos do Himalaia…  
                                     Ganges amoroso beija a praia  
                                     Coberta de corais … 
                                     A brisa de Misora o céu inflama; 
                                     E ela dorme nos templos do Deus Brama, 
                                                  — Pagodes colossais…
 

                                     A Europa é sempre Europa, a gloriosa! … 
                                     A mulher deslumbrante e caprichosa, 
                                     Rainha e cortesã. 
                                     Artista — corta o mármor de Carrara;  
                                     Poetisa — tange os hinos de Ferrara, 
                                     No glorioso afã! …
 

                                     Sempre a láurea lhe cabe no litígio… 
                                     Ora uma c’roa, ora o barrete frígio  
                                     Enflora-lhe a cerviz. 
                                     Universo após ela — doudo amante  
                                     Segue cativo o passo delirante  
                                     Da grande meretriz.
 

                                                ………………………………
 

                                     Mas eu, Senhor!… Eu triste abandonada  
                                     Em meio das areias esgarrada, 
                                     Perdida marcho em vão! 
                                     Se choro… bebe o pranto a areia ardente;  
                                     talvez… p’ra que meu pranto, ó Deus clemente! 
                                     Não descubras no chão…
 

                                     E nem tenho uma sombra de floresta…  
                                     Para cobrir-me nem um templo resta  
                                     No solo abrasador… 
                                     Quando subo às Pirâmides do Egito  
                                     Embalde aos quatro céus chorando grito: 
                                     “Abriga-me, Senhor!…”
 

                                     Como o profeta em cinza a fronte envolve,  
                                     Velo a cabeça no areal que volve  
                                     O siroco feroz… 
                                     Quando eu passo no Saara amortalhada…  
                                     Ai! dizem: “Lá vai África embuçada  
                                     No seu branco albornoz. . . “
 

                                     Nem vêem que o deserto é meu sudário,  
                                     Que o silêncio campeia solitário  
                                     Por sobre o peito meu. 
                                     Lá no solo onde o cardo apenas medra  
                                     Boceja a Esfinge colossal de pedra  
                                     Fitando o morno céu.  

                                                …………………………………
 

                                     Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!  
                                     É, pois, teu peito eterno, inexaurível 
                                     De vingança e rancor?…  
                                     E que é que fiz, Senhor? que torvo crime  
                                     Eu cometi jamais que assim me oprime  
                                     Teu gládio vingador?!
 

                                                ………………………………….
                                               
 

                                     Vi a ciência desertar do Egito…  
                                     Vi meu povo seguir — Judeu maldito — 
                                     Trilho de perdição. 
                                     Depois vi minha prole desgraçada  
                                     Pelas garras d’Europa — arrebatada — 
                                     Amestrado falcão! …
 

                                     Cristo! embalde morreste sobre um monte  
                                     Teu sangue não lavou de minha fronte  
                                     A mancha original. 
                                     Ainda hoje são, por fado adverso,  
                                     Meus filhos — alimária do universo, 
                                     Eu — pasto universal…
 

                                     Hoje em meu sangue a América se nutre  
                                     Condor que transformara-se em abutre, 
                                     Ave da escravidão, 
                                     Ela juntou-se às mais… irmã traidora  
                                     Qual de José os vis irmãos outrora  
                                     Venderam seu irmão.
 

                                     Basta, Senhor!  De teu potente braço  
                                     Role através dos astros e do espaço  
                                     Perdão p’ra os crimes meus!  
                                     Há dois mil anos eu soluço um grito… 
                                     escuta o brado meu lá no infinito, 
                                                 Meu Deus!  Senhor, meu Deus!!… 
  
                                                            São Paulo, 11 de junho de 1868

                        Adormecida

Uma noite, eu me lembro… Ela dormia
Numa rede encostada molemente…
Quase aberto o roupão… solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

‘Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina…
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos — beijá-la.

Era um quadro celeste!… A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia…
Quando ela serenava… a flor beijava-a…
Quando ela ia beijar-lhe… a flor fugia…

Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças…
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava ora afastava-se…
Mas quando a via despertada a meio,
Pra não zangá-la… sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio…

Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
“Ó flor! – tu és a virgem das campinas!
“Virgem! – tu és a flor de minha vida!…”

O artista Jorge Galeano faz interferências no campus da Uefs

 

 

Ao utilizar painéis de alvenaria para compor trabalhos da série “Uma Canción para Anita”, o artista visual Jorge Galeano, deu um toque especial ao campus da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).  Durante 15 dias, ele trabalhou com interferências artísticas em nove painéis fixos localizados entre os módulos de aula do campus universitário.

De acordo com o artista, trata-se de uma realização independente, sem nenhum custo para a Universidade. “A minha intenção é levar a arte para o campus”, disse ele. Galeano informou ainda que está desenvolvendo projeto para realizar interferências em árvores da cidade, como uma forma de preservar o verde, de humanizar e embelezar Feira de Santana.

Assessoria Cuca/Uefs

O nascimento da indústria fonográfica no Brasil

 

Passeando pela internet, encontrei, graças à Pesquisa Arte Edição – Pedro Bersi, SC Brasil (WindsFilmesBRASIL 2008) o clip da primeira música registrada em disco no Brasil, o lundu Isto é bom, de Xisto Bahia, cantado por Manuel Pedro dos Santos, o Baiano. A gravação de 1902, vale como documento e pelo resgate dos primórdios da música popular brasileira. 

E agora, um pouquinho dessa história: 

“Na edição de 20 de janeiro de 1892 o « Jornal de Notícias » de Salvador, publicou o seguinte anúncio:

Hoje estreará no Chalet Parisien o Phonographo, das 6 da tarde às 10 da noite. Chamamos a atenção do público para apreciar o bom sorvete com a música do phonographo.

Este anúncio foi mandado publicar por Frederico Figner, que seria mais tarde o responsável pela implantação da indústria fonográfica no Brasil e proprietário das Casas Edison, no Rio de Janeiro. No dia 25 de janeiro, o mesmo jornal publicaria o  texto seguinte :

Assombroso – É na verdade, estupendamente assombroso o invento de Edison, esse prodigioso aparelho chamado phonographo. Por mais que se diga ou se escreva, nunca se conseguirá dar uma idéia exata do que é realmente aquele colossal invento, uma das últimas maravilhas deste século.

O Jornal de Notícias informava ainda que Frederico Figner dispunha-se a visitar as famílias que desejassem apreciar « tão colossal maravilha », assegurando que o phonographo só tinha um defeito : « não ser nosso » e aconselhava « às amáveis e gentis leitoras » que pedissem, gritassem, chorassem, zangassem-se com seus pais e maridos para convencê-los à levá-la a escutar « a portentosa maravilha do século : o phonographo ».

Frederico Figner, que nesta época morava nos Estados Unidos, de posse de um fonógrafo e de alguns cilindros de cera com gravação impressa, resolveu viajar pelas Américas, divulgando o invento de Thomas Edison. No Brasil, sua peregrinação começou por Belém do Pará, tendo visitado inúmeras capitais, passando por Salvador, como vimos acima, chegando finalmente ao Rio de Janeiro em abril de 1892, onde estabeleceu-se.

Incentivado pelo grande sucesso do fonógrafo na sua peregrinação pelas capitais brasileiras, Figner fundou a « Casa Edison do Rio de Janeiro », onde comercializava o aparelho e os cilindros de cera. Ao tomar conhecimento da invenção do Gramofone e do disco de cera (1894) por Émile Berliner, ele inaugurou, em 1901, uma sala de gravações de discos que perpetuariam canções brasileiras para as gerações futuras. Ele era agente da fábrica alemã International Zonophone Company, tendo recebido a patente (1901) dos discos de duas faces, inventados pelo suisso Adhemar Napoléon Petit ; no ano seguinte foi gravado o lundú Isto é bom de Xisto Bahia (nesta época já falecido) cantado por Baiano – Manuel Pedro dos Santos -, cujo número é o 10.101, da marca Zon-o-phone. Nessa música encontramos versos como estes : « No inverno rigoroso/ Bem dizia a minha avó/ Quem dorme junto tem frio/ Que fará quem dorme só?/ Isto é bom/ Isto é bom que dói… ».
                                                                                 (Leni David)

Observação: O texto acima é um fragmento do artigo São Salvador da Bahia: imagens e canção popular, da minha autoria (Maria Lenilda Carneiro David), publicado no livro Identidades e representações na cultura brasileira, organizado por Rita Olivieri-Godet e Lícia Souza (Editora Idéia/UFPB – João Pessoa, em 2001, p. 175-198).

Agora vejam o mesmo lundu com interpretação moderna: