Poemas de Jorge Araújo

 

Munição e víveres

 

(fragmentos)

I

não desvenda, nem deslinda

o poeta inquieta-se ainda

  

III

contígua ferida

a morte

desnomeia a vida

 IV

tempo, espaço, memória

O homem

Será isca da história?

 

V

solidão, se ainda não disse

não  é descobrir-se e só

mas não descobrir-se

  

VIII

ai ai caralho

como viver

dá trabalho

 

(Jorge Araújo)

 

 

 

Poeminha invariável

 

este é o mundo colorido

de todos os circos

todos os horrores

todos os tumores

lindo,lido,visto, ouvido

este é o mundo dolorido

da tv a cores

 

(Jorge Araújo)

 

Livro do poeta baiano Cyro de Mattos é publicado na Itália

 

 

 “Canti della terra e dell’acqua” é uma antologia do poeta Cyro de Mattos. Ela  reune 38 poemas, e foi publicada recentemente pela Editora Romar, de Milão,  (www.romar.editrice.it) com seleção e tradução de Mirella Abriani. Ela  já traduziu para o italiano, autores como Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade.

Com  esta antologia, Cyro de Mattos alcança a marca de cinco livros de poesia publicados no exterior. Os livros são os seguintes: “Vinte Poemas do Rio”, edição bilíngüe, com tradução do poeta Manoel Portela para o inglês, e “Ecológico,  ambos editados pela Palimage, de Coimbra, Portugal; “Zwanzig Gedichte von Rio und andere Gedichte”, da Projekte-Verlag, Halle, Alemanha, com tradução de Curt Meyer Claso;, e “Poesie della Bahia”, publicação da  Runde Taarn Edizoni, em Gerenzano (Varese), Itália, com tradução de Mirella Abriani.

A antologia “Canti della terra e dell’acqua” é constituída de quatro partes: Os Sinais da Terra, Águas do Rio, Alguns Bichos e Águas do Mar. No livro estão presentes poemas inspirados na infância, rio Cachoeira, bichos e meio ambiente.  Sobre o autor Cyro de Mattos disse Jorge Amado: “Cantor da terra e das águas. Cantor do amor. Pastor de diversos bichos. Tão esplêndido poeta, tão esplêndido ficcionista”. Já a escritora e professora Graziella Corsinovi, da Universidade de Genova, presidente do júri do XII Prêmio Internacional de Poesia Maestrale Marengo d’Oro, assim opinou: “Poesia do mais amplo horizonte histórico e existencial, que evoca mistérios da epopéia brasileira com grande poder de sugestão”.

Matryoshka, Baboushka, Matriosca… Mãe, Mulher

 

 Para Mabel

Quando eu era menina, certo dia encontrei uma caixa diferente entre as coisas da minha tia. Ela era de madeira fina, dourada, e tinha a forma de um cubo de aproximadamente dez centímetros de lado. Abri e dentro dela encontrei outra caixinha, um pouco menor. Retirei-a do interior da primeira, abri a tampa e outra caixinha apareceu. A última era uma caixinha minúscula e dentro dela havia um papelzinho dobrado onde estava escrito: “você é a razão do meu viver”.

Não lembro quantas vezes realizei o gesto, mas sei que foram muitas caixas que abri, pois o canto onde realizei essa façanha ficou repleto das mesmas.

Confesso que esperava encontrar alguma coisa mais valiosa, como um broche, ou um anel. Aquele papelzinho me pareceu insignificante; dobrei direitinho e o acomodei dentro da caixa minúscula, um pouco frustrada;  comecei a fechá-las, uma por uma, para devolvê-las ao lugar onde as havia encontrado, mas as tampas não encaixavam corretamente, apesar do meu empenho. Não consegui, e para meu desespero fui surpreendida, repreendida severamente, chamada de enxerida, buliçosa e ainda levei uns tapas.

 

Muitos anos depois recebi um presente de uma amiga que havia chegado da então União soviética. Era uma Matryoshka, uma boneca típica, símbolo nacional e muito reputada como souvenir. A minha amiga explicou que dentro daquela bonequinha de madeira haviam outras iguais, mas de tamanhos menores, numa sequência que variava de cinco a oito e que se repetia em escala decrescente. Nessa época eu morava muito longe da minha terra natal e aquele presente me trouxe de volta à infância. Sorri, comecei a abrir as bonecas e o episódio das caixas da minha tia vieram à tona. Arrumei-as com muito carinho, enfileiradas, sobre a estante.

Guardo essas bonequinhas com muito carinho; primeiro, porque a amiga que me ofereceu o presente, Myriam, não se encontra mais entre nós. Faleceu, vítima de uma leucemia, aos vinte e sete anos de idade. Era uma pessoa muito querida,  e o seu desaparecimento provocou em mim uma dor enorme, além da saudade que perdura até hoje. Segundo, porque essas bonecas têm o dom de me apaziguar e de me encorajar, quando preciso. Gosto também de mostrar as minhas Matryoshkas às crianças que vêm à minha casa e como eu, no passado, com as caixinhas da minha tia, raramente elas conseguem encaixá-las e recompô-las para que se tornem personagem única.

 

Depois aprendi que essas bonecas surgiram na época do Império Russo, em 1890, quando instituiu-se a produção de brinquedos educativos e folclóricos. As primeiras Matryoshkas reproduziam as camponesas com seus trajes coloridos. Aprendi, também, que a primeira Matryoshka foi pintada por Serguei Malútin  para ser exposta na feira internacional de Paris, em 1900 – onde ganhou medalha de ouro por sua originalidade. Atualmente  ela se encontra no Museu do Brinquedo em Serguiev Posad. E a partir daí as Matryoshkas vêm sendo cultuadas como  símbolo nacional e objetos de desejo dos colecionadores.

Essas bonecas representam a família. A tradução literal do nome Matryoshka é “mãezinha” (mãe = mater; e oshka, o diminutivo). Também aprendi que apesar da importância dessas bonequinhas no artesanato russo, elas têm sua origem no Japão. Em 1890 um brinquedo que representava um sábio budista, foi trazido do Japão e presenteado à família Mamôntov, grandes patrocinadores das artes no virar do século. Usando o boneco japonês como modelo, o artesão Vassily Zvyôzdotchkin e o pintor Serguei Malútin criaram então a primeira Matryoshka russa, batizando-a  com uma variação do nome russo Matryona, que deriva de mat’ (mãe). Mostrada com grande sucesso no pavilhão do Império Russo na exposição internacional de 1900 em Paris, desde então as Matryoshkas são meio de vida para os artesãos e fazem a alegria de quem as recebe como presente.

Há pouco tempo descobri que a famosa Matryoshka, também é conhecida como Baboushka. Finalmente, também descobri que carregamos conosco muitas Matryoshcas. Temos uma aparência externa, a grande matriosca, a que todo mundo vê, e no interior, várias outras, parecidas, cada uma delas carregando consigo predicados e defeitos. São elas que nos fazem fortes, destemidas, ousadas, desaforadas, sábias, justas, ou inconsequentes. São elas também que vacilam, sofrem e choram. O importante, porém, é o renascer constante; é a sabedoria de olhar lá fora e descobrir saídas possíveis. E como diz Adélia Prado, “Mulher é desdobrável. Eu sou”.E temos várias camadas, digo eu, como as Matrioscas!

Leni David

 Observação: Publicado originalmente no “De tudo um pouco” em 25/08/2009