Dois poemas de Carlos Barbosa

  

O ESPELHO 

de repente

soube

         ler nuvens

         ouvir pedras

         cantar silêncios

         sentir doçuras em farpas

de repente

não soube mais

         o caminho da pia

         o sentido das placas

         ligar a luz

         esperar

         rir

 de repente

nada mais acontecia

tudo era um só espelho

e nele você me ardia

               Carlos Barbosa

 

CENA DE RUA

 À moda de Manuel Bandeira

dez horas da manhã

 um homem arrasta-se na calçada

em frente ao prédio da reitoria

de cócoras

defeca

 limpa-se com a mão direita

que esfrega em seguida numa poça d’água

 no instante seguinte

o sinal abre para os carros

que fecham a cortina

do breve humano espetáculo

               Carlos Barbosa

 

Miniconto – Carlos Barbosa

 

A ENCHENTE

 O rio venceu o cais, invadiu a praça, subiu os degraus da igreja.

Minha mãe, a seco, foi lá ver:

– Que tragédia, meu Deus! Mas como é lindo!

                                     Carlos Barbosa

 Carlos Barbosa nasceu no interior da Bahia. Graduou-se em Jornalismo e em Direito. Escreveu letras de música, participou de festivais e teve seu primeiro conto premiado no Concurso de Contos do Jornal da Bahia, em 1977. É parceiro de Dominguinhos em duas canções. Publicou “Água de Cacimba”, livro de poemas, em 1998; ´é autor do romance “A Dama do Velho Chico” publicado pela Bom Texto Editora, do Rio de Janeiro.

 Fonte : Miniconto