Partilha
“Se havia acordo, não me recordo…/
Havia choro atrás da porta,”
Ivan Junqueira
Quem haverá de ficar
com o que ficou do homem,
nesta noite incerta, insone,
entre farpas, labaredas?
Quem ficará com o pássaro,
o cão, o gato, as feridas?
Ninguém, pois há custo, em vida,
demanda tempo e cansaço.
Será mais fácil encontrar
quem aceite, de bom grado,
a casa, o carro, o arado,
a mão, o braço, o antebraço.
Sua vara de pescar
não tem qualquer serventia.
Só o peixe, na bacia,
limpo, servil, temperado,
tudo o que venha pescado,
que não cobre sacrifícios.
Não se aceita o ofício;
só o que ele propicia.
Que acordo será possível,
no dia da crua partilha?
Sete botões de braguilha,
sete palmos, sete mares?
Para chorar os azares
estarão todos unidos:
o que não foi repartido,
não soma, é pó, inexiste.
Que o homem não fique triste,
na alma, nenhum remorso.
O peito, vísceras, seus ossos
estarão bem repartidos.
(Luís Pimentel)