Um poema de Luís Pimentel

Partilha

“Se havia acordo, não me recordo…/

Havia choro atrás da porta,”

Ivan Junqueira

 

Quem haverá de ficar

com o que ficou do homem,

nesta noite incerta, insone,

entre farpas, labaredas?

Quem ficará com o pássaro,

o cão, o gato, as feridas?

Ninguém, pois há custo, em vida,

demanda tempo e cansaço.

Será mais fácil encontrar

quem aceite, de bom grado,

a casa, o carro, o arado,

a mão, o braço, o antebraço.

Sua vara de pescar

não tem qualquer serventia.

Só o peixe, na bacia,

limpo, servil, temperado,

tudo o que venha pescado,

que não cobre sacrifícios.

Não se aceita o ofício;

só o que ele propicia.

Que acordo será possível,

no dia da crua partilha?

Sete botões de braguilha,

sete palmos, sete mares?

Para chorar os azares

estarão todos unidos:

o que não foi repartido,

não soma, é pó, inexiste.

Que o homem não fique triste,

na alma, nenhum remorso.

O peito, vísceras, seus ossos

estarão bem repartidos.

                        (Luís Pimentel)

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