Alberto Caeiro – O meu olhar II

 

Alberto Caeiro

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender …

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos… Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar …
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar…

 

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa). “O Guardador de Rebanhos”, 8-3-1914

 

Alberto Caeiro

Alberto Caeiro, é considerado o mestre de todos os heterônimos de Fernando Pessoa. Segundo o seu criador “nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia avó. Morreu tuberculoso.”

Versos de Luís Pimentel

 

Rio, Central do Brasil

 

Luís Pimentel

 Caras e culpas,

passos e abraços.

Sorrisos sem dentes

na boca da noite.

Vadios desencontros

e encontros vazios.

Na fria calçada,

calor de arrepio

e vida atrasada.

Leve suspiro.

Sapato apertado.

Um que é sem paradeiro.

Há quem conte mentiras,

enganando o silêncio.

Os que acordam cedo

vão bater continência

ante o busto do herói.

Têm as abstinências.

Vejo beijos e assaltos

sob o imenso relógio

Insigne

de um tempo tardio.

O sol sem remédio

morre lá na Gamboa.

Logo mais vem a lua

enxaguar a Baía,

sobre as luzes da Igreja.

As cotias do Campo.

A fumaça da Brahma.

O repique do Elite.

Os que bebem o sereno

não padecem de azia.

Entre o pão e o castigo,

entre o medo e a euforia,

ainda resta o elogio:

o Rio

é a Central

do Brasil.

O último conto de fadas

 

O ÚLTIMO CONTO DE FADAS

A palavra fugacidade

Um trem sem ninguém dentro

Fotos amarelecidas…

A solução para as vidas

desencontradas

.

Uma batalha perdida

A inteira lida perdida

O ímpeto dos cavalos

A moça que ficou velha

e esquecida

.

A arte de estar sozinho

O último conto de fadas

A estrada para a estrada

A mão, sobre o homem feito,

do menino.

(Antonio Brasileiro)

Um poema de Vinícius de Moraes

Poema de Natal

 

Para isso fomos feitos:

Para lembrar e ser lembrados

Para chorar e fazer chorar

Para enterrar os nossos mortos —

Por isso temos braços longos para os adeuses

Mãos para colher o que foi dado

Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:

Uma tarde sempre a esquecer

Uma estrela a se apagar na treva

Um caminho entre dois túmulos —

Por isso precisamos velar

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:

Uma canção sobre um berço

Um verso, talvez de amor

Uma prece por quem se vai —

Mas que essa hora não esqueça

E por ela os nossos corações

Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:

Para a esperança no milagre

Para a participação da poesia

Para ver a face da morte —

De repente nunca mais esperaremos…

Hoje a noite é jovem; da morte, apenas

Nascemos, imensamente.

 

 

Novos poemas de Adélia Prado

 

A Paciência e seus limites

Dá a entender que me ama

mas não se declara.

Fica mastigando grama,

rodando no dedo sua penca de chaves,

como qualquer bobo.

Não me engana a desculpa amarela:

‘quero discutir lírica com você’.

Que enfado! Desembucha, homem,

 tenho outro pretendente

 e mais vale para mim vê-lo cuspir no rio

 que esse seu verso doente.

 

Senha

 Eu sou uma mulher sem nenhum mel

 eu não tenho um colírio nem um chá

 tento a rosa de seda sobre o muro

 minha raiz comendo esterco e chão.

 Quero a macia flor desabrochada

 irado polvo cego é meu carinho.

 Eu quero ser chamada rosa e flor

 Eu vou gerar um cacto sem espinho.

 

Humano

A alma se desespera,

mas o corpo é humilde;

ainda que demore,

mesmo que não coma,

dorme.

 

Poemas de Adélia Prado, do novo livro Miserere (Record – 2013) que será lançado nesta quinta-feira.

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