“A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim a ser quem sou.
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
quero ir buscar quem fui onde ficou.”
Fernando Pessoa
“A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim a ser quem sou.
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
quero ir buscar quem fui onde ficou.”
Fernando Pessoa
Tempo
Adélia Prado
A mim que desde a infância venho vindo
como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
Quero a fome.