“Mas é preciso ter força
é preciso ter raça
é preciso ter gana, sempre,
quem traz no corpo a marca
Maria, Maria,
mistura a dor e a alegria”.
(Milton Nascimento)
“Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores”.
(Cora Coralina)
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Tempo
Adélia Prado
A mim que desde a infância venho vindo
como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
Quero a fome.
EXERCÍCIO
O ser é um sopro?
Um eco? A contraparte
do ego
ferido?
O ser é um não
falseado? Um passo
em vão
no Vazio? Um rio
constelado de enigmas?
O ser é um mito
oco? Um grito
aviltado nos vãos de vinte séculos?
O ser é um erro
de cálculo, um simulacro
do si, que é, já este,
um simulacro?
O ser é um só? Um nó
que se desfaz em infinitos
nós?
Que é, afinal, o ser
além desta vontade
mórbida, imensa
de esquecer?
Extraído do livro Amálgama (Nas praias do avesso e Poesia anterior), 2004, p. 21.
Roberval Pereyr reside em Feira de Santana. Co-fundador da revista Hera (1972), que dirigiu, quase sempre em parceria, desde 1973. Criou ainda as coleções literárias Olho D’Água (1982) e Bocapio (1991), além da revista de poesia Duas Águas, com Pablo Simpson (Campinas – SP, 1997). Fundou e dirige as editoras alternativas Estrada e Tulle. Estudante de flauta doce e compositor (parceiros: o catarinense Márcio Pazin, além de Tito Pereira e Carol Pereyr, seus filhos). Tem poemas publicados em antologias nacionais e internacionais, entre as quais Roteiro da poesia brasileira – anos 60, da Global Editora. Entre seus livros de poesia encontram-se As roupas do nu (1981), Ocidentais (1987), O súbito cenário (1996) Concerto de ilhas (1997), Saguão de mitos (1998), Amálgama – Nas praias do avesso e poesia anterior (2004) e Acordes (2010). Publicou ainda A unidade primordial da lírica moderna (teoria da literatura, 2000). Está no prelo o livro A mão no escuro (desenho artístico). Doutor em Letras e Professor Pleno da Universidade Estadual de Feira de Santana.
REVISITANDO HERÁCLITO
p/ Antonio Brasileiro
um pedaço de isopor,
jogado ao léu, diz
e diz muito.
a poesia nada diz
e nada esconde.
não há segredos, bastam
aceno e compreensão.
isso não importa,
tudo é sempre um.
Iderval Miranda/2012