O Clube Cruz Vermelha nasceu antes do Carnaval, 1883, para estrear na primeira festa oficial de Momo, ou seja, no ano seguinte e essa coincidência me faz pensar, sei que é uma ilação, que tenha sido o Clube quem articulou com os orgãos oficiais para a realização do primeiro Carnaval de Salvador. Tinha sentido criar uma agremiação carnavalesca apenas para participar do entrudo?
O Cruz Vermelha nasceu há 130 anos por iniciativa do comerciante José Oliveira Castro e estreou no primeiro carnaval baiano com uma proposta temática, alusiva às loterias, na verdade uma crítica; naquele tempo a imprensa denunciava a caixa preta das extrações e não se sabia se de fato entregavam o prêmio prometido.
O clube reunia comerciantes, brasileiros e portugueses, e tinha sede social na Barroquinha, então um ativo centro comercial, onde despontavam lojas de sapatos, tecidos e adereços. Estabelecimentos que importavam, da Alemanha e Itália, rolos de tecidos e lantejoulas, matéria prima para confeccionar as magníficas fantasias que caracterizaram o Cruz Vermelha ao longo de sua existência.
No Carnaval de 1885 desfila pela primeira vez aquele que seria o grande rival do Cruz Vermelha, o Clube Carnavalesco Fantoches de Euterpe, com carro alegórico romano e préstito inspirado na entrada triunfal de César em Roma. Rivalidade de várias décadas que atingiria o clímax nos anos 30 quando o Cruz Vermelha já tinha sede na Piedade e o povo aglomerava-se na Rua Chile para gritar “Viva Cruz!, Viva Fantoches!, saudando as suntuosas carruagens, e os enredos mitológicos, a bordo lindas senhoritas e garbosos rapazes da sociedade baiana como protagonistas.
Durante a II Guerra mundial o Clube sacrificou a marca consolidada no imaginário dos baianos e mudou o nome para Cruzeiro da Vitória para não ser confundido com a organização assistencialista; ao que parece não foi uma decisão acertada. Então, a sede do Cruz Vermelha já era no Campo Grande, no prédio onde hoje funciona a Fundação João Fernandes da Cunha, de onde saia o cortejo com a famosa guarda de honra composta por belas baianas.
A rivalidade entre os dois clubes de elite do Carnaval baiano crescia com a adesão e provocação da imprensa, brigas entre as torcidas ocorreram em algumas ocasiões – 1959 com grande pancadaria – mas tudo era esquecido no ano seguinte. Naquele momento o Clube Inocentes do Progresso era mais um a disputar a preferência do público. Nessa década de 50 o Cruz Vermelha se renova graças ao empenho de João Pereira de Souza que investe suas energias para devolver ao clube o antigo esplendor.
O Cruz Vermelha conquistou 72 títulos e desfilou pela última vez, Tudo indica que em 1963, com o tema de Helena de Tróia e a guarda troiana revivendo a mística dos carnavais de início do século. Não era o mesmo clube, perdera espaço para os trios elétricos que já despontavam como tendência. E o glamour, o luxo representado pelo estandarte símbolo bordado em ouro com pedras preciosas ao redor do veludo, não mais tinha sentido entre os baianos.
Era o fim de uma era. O guia turístico da cidade; “Beabá da Bahia” de 1951, já previra esse final melancólico: “Os carros alegóricos do Fantoches, Cruzeiro da Vitória e Inocentes em Progresso, por mais dispendiosos que sejam sente-se que seu tempo já passou”. Era verdade. As trombetas dos figurinos de outrora abriam alas para a guitarra baiana com as suas cornetas amplificadoras.
Fonte: Memorias da Bahia