CARTA A UM JOVEM POETA
Aleilton Fonseca
Releio sempre a carta que o poeta Carlos Drummond de Andrade me enviou em 1981. Naquele tempo eu tinha 22 anos e havia publicado o primeiro livro de poemas. A idade ardia numa vontade doida de traduzir a vida em versos. Hoje, após tantos janeiros, as musas me cutucam e esbravejam, mas já sei que é difícil comover o vasto mundo, este vale de lágrimas, desamor e enormes cifras.
O poeta gostou do livro e me mandou, em sua letra e estilo inconfundíveis, um voto de confiança, um estímulo, um sopro de vida numa chama que mal balbuciava. Com o envelope inesperado na mão, fiquei atônito entre a alegria trêmula e uma súbita responsabilidade. O carteiro não estivesse já longe e eu o abraçaria, convidá-lo-ia a entrar, conversaríamos sobre o autor daquela carta, eu lhe recitaria os poemas da Rosa do Povo.
Planejei responder ao poeta, mas a surpresa me ofuscou as idéias. E agora, José? Eu lia e relia a mensagem, lembrava de minhas primeiras incursões por sua poesia no ginásio e na biblioteca pública. Aquele nome tão longínquo agora me parecia estranhamente tão próximo. Não consegui inventar palavras para expressar o meu estado de espírito. A missiva, hoje amorosamente amarelada, ficou sem resposta para sempre.
No final daquele ano fui ao Rio e planejei fazer uma visita de surpresa ao poeta. Um dia, saí com o endereço anotado, decidido a ir bater em sua residência. Mas, à medida que avançava pelas ruas, a coragem se perdia pelas esquinas. Acabei perambulando o dia todo, sem encarar o caminho definitivo de um encontro com o admirado autor de Boitempo. E se ele não me atendesse? E se não passasse de um “como vai?”, um “prazer em conhecê-lo” formais? Seria uma situação constrangedora, – o poeta diante de um jovem desconhecido que vinha de certa forma importuná-lo, logo ele, tão discreto e avesso aos cultos da personalidade. Não fui.
Até hoje oscilo quanto ao acerto daquela decisão: ora me arrependo de haver desistido, ora acho que assim foi melhor. O encontro poderia ter sido a quebra de todo encanto. Guardei na distância a admiração e a gratidão pelo gesto de incentivo, embora sentisse também um enorme vazio. Em 1987, quando recebi a notícia de que o poeta havia falecido, senti um choque, uma sensação pontiaguda de perda irreparável, um abismo me engolia e as lágrimas brotavam de meu olhar fatigado. O poeta se foi e eu fiquei cativo de minha não-resposta, da perda de sua presença e de sua palavra. Mas, por outro lado, algo valioso eu ganhei: o sentido poético dessa falta, que se conforma e se alimenta na leitura da velha carta, na lembrança de uma resposta não escrita, de uma visita não realizada, de um poema-homenagem que se escreve para sempre em minha memória.
Drummond encantado
Há tantos anos,
o coração do poeta desistiu
de lutar com palavras.
Não lhe mandei minha letra,
nem recolhi sua imagem viva
em meu olhar.
O poeta encantou-se,
liberto de nós e de si mesmo.
E a mim só me resta
a letra íntima da página muda
que nunca lhe escrevi.