Poemas de Uaçaí Lopes

 

Pequenina Aranha

 Pequenina aranha, que teces?

Teces a vida ou a morte?

Que teces, pequena aranha,

meu destino, minha sorte?

 

Nossa vida é tão vazia

nossos destinos são teias

que tecemos cada dia

– barcos singrando nas veias.

 

Pequenina, ao que parece

tua teia não nos guia.

Nossa vida é que se tece

 

numa outra teia ungida,

que se encontra em outra via

para além da nossa vida.

  

    Admoestação

– Que tens amigo meu? – Um desengano

– E quem causou teu pranto? – Uma pequena.

– Há quanto não a vês? – Já faz um ano.

– Que nela tanto o atrai? – Ser tão serena.

 

– Conquista então a outra. – É impossível.

– Mas, nada é impossível. – Esquecê-la.

– Que faz tudo tão trágico? – É tão terrível..

– Buscai-a mesmo assim. – Não posso tê-la.

 

– Eu não o entendo amigo? – Só com tempo.

– Pra onde ela se foi? – A outro plano.

– Oh! Que tragédia, amigo! – É um tormento.

 

– Somente o tempo acaba o desengano.

– Entrego então a ele, o sofrimento.

– O tempo acaba a hora, o mês e o ano.

                                 Salvador, 29 de julho de 2002.

 

O rei, os cegos e o elefante

                       Para o amigo Carlos Barbosa

 

Dispondo um rei, mui sábio, um elefante,

a cegos que o tocaram levemente.

Pediu-lhes prá falar, naquele instante,

o que no toque, vinha-lhes à mente.

 

Primeiro um diz que a cauda é uma vassoura.

Outro compara a tromba, a uma mangueira.

O próximo, que a boca é uma tesoura

e o último a entrar na brincadeira,

 

afirma que um dente é uma lança.

O Rei então percebe ali, na hora,

o quanto da verdade, cada, alcança.

 

E lembra uma verdade de outrora

e lança em assertiva derradeira:

nenhum mortal tem a verdade inteira.

                                  Salvador, 30/07/2008.

 

 O desenho da palavra

              Para o meu amigo, Mário Vieira, o cara.

Todos os caminhos são todos certeiros.

São encruzilhadas a nos desviar

dos nossos destinos. Portos, paradeiros,

tudo, eternamente, sempre a cambiar.

 

A mudança é a única certeza

que tecemos. Quando estamos numa trilha

tudo segue sempre em nossa natureza

como se a mudança fosse maravilha.

 

Assim é o mundo, não se desiluda,

nada muda. Na torrente quase cega,

tudo segue, sempre, tudo ao deus dará.

 

O coração sente, a palavra é dita,

mas, porquanto pese, o vento carrega.

Já o desenho fica, se ela é escrita:

                    prá não mais mudar…

                          Salvador, 28/07/08.

 

           HAICAS

Sonhei que sonhavas comigo.

No teu sonho,

o meu sonho era contigo.

        ********                     

No canto do grilo

ninguém advinha

o seu tamanho.

      ******** 

Ah! navegante mostra o teu peito.

Teu amor é tão grande

o mar, tão estreito.

Uaçaí Lopes – Nasceu em Feira de Santana, em 18 de abril de 1957. Filho do poeta Antonio Alves Lopes e de Aldovanda de Magalhães Lopes. Viveu toda a infância na cidade considerada a Princesinha do Sertão. Feira de Santana na década de 60 do século XX vivia ainda em pleno século XIX e isso marcou profundamente o universo cosmológico do menino e do adolescente, para o qual a sua cidade era o centro do mundo e o seu mundo o centro do universo.

A ida para Salvador no final dos anos 70 e a tomada de consciência acerca da situação política do país, o engajamento na luta contra a ditadura foram determinantes para uma abrupta tomada de consciência que iria marcar todo o desenvolvimento posterior de sua trajetória. As luta estudantis, o movimento pela abertura política, o envolvimento, mais tarde com a fundação do Partidos dos Trabalhadores e da CUT, todos esses elementos contribuíram para uma revalorização da realidade local a partir de outros significados e concepções. Talvez, numa tradição de poetas, terminou por estudar contabilidade. Seu pai era contador, Fernando Pessoa, guarda-livros. Isso bastava para se sentir em boa companhia. Entretanto, a graduação em contábeis serviu para aproximá-lo de uma atividade que teria grande significado do desenvolvimento de sua vida. Tornou-se auditor e avaliador de projetos sociais para instituições européias de ajuda mútua para o terceiro mundo. Com esse trabalho viajou várias vezes para a Europa, África e para quase todos os países da América Latina (Uruguai, Paraguai, Chile, Argentina, Bolívia, Peru) às vezes para avaliação de projetos, outra para participação em seminários, palestras etc.

Concluiu em 1990 o Mestrado em Educação pela UFBA, com a defesa da dissertação “O Princípio Pedagógico de Makarenko”. Muito cedo iniciou sua carreira de docente na Universidade Estadual de Feira de Santana. Ingressou como professor Auxiliar em agosto de 1983. Atualmente é professor adjunto tendo ocupado por algumas gestões o posto de Coordenador da Área de Conhecimento de Metodologia do Trabalho Científico. Está em vias de conclusão do doutoramento em Educação pela Universidade Federal da Bahia, cujo tema da tese a ser defendida versa acerca das relações entre Educação e Sustentabilidade. Sua atividade literária esteve sempre ligada ao Grupo Hera, através da liderança de Antonio Brasileiro. Publicou várias vezes na Revista Hera e outras revistas editadas pelo Grupo. Publicou os livros Caminhos (poesias), 1986; Digressões Acerca do Conteúdo do Armário (poesias), 2005; Vôo do Assanhaço, (haicais), 2006, além de outras publicações de poesia infantil. Na área acadêmica tem publicado vários artigos em revistas nacionais e estrangeiras.