Bahia – A lavagem do Bonfim

Todos os anos, na segunda quinta-feira de janeiro após o “dia de reis” (6 de janeiro), acontece em Salvador a Festa do Senhor do Bonfim da Bahia. Essa festa tradicional e de grande beleza, que é acompanhada por milhares de pessoas de todas as parte do mundo, consiste num enorme cortejo que sai da igreja da Conceição da Praia em direção à igreja do Bonfim, no alto da Colina Sagrada. Centenas de baianas, personagens tradicionais dos festejos, abrem o desfile e levam nas mãos vasos com flores e água de cheiro, usadas para lavar o adro da igreja e purificar os fiéis, num ritual de fé e esperança. Fogos de artifício anunciam o início do cortejo aberto pelas baianas e acompanhado pelo povo, num percurso de 8 km e a maioria das pessoas veste-se de branco, como manda a tradição.

Lavagem do Bonfim

A festa do Senhor do Bonfim, com a lavagem do adro da Igreja é considerada a mais importante das comemorações populares de Salvador. Os festejos religiosos (novenas e missas) têm início no dia seguinte à lavagem e se encerram no domingo.

Ao chegar ao Bonfim as baianas lavam as escadarias e o adro da Igreja  com água perfumada, e despejam essa mesma água sobre as cabeças de pessoas que buscam neste banho a purificação do corpo e da alma.  Após a lavagem, a festa prossegue com rodas de capoeira e samba, enquanto nas casas, os visitantes se deliciam com comidas populares, como o caruru, o cozido e a feijoada.

Origem da festa

Segundo o historiador Cid Teixeira, havia no Rio Vermelho uma capela consagrada à devoção de São Gonçalo, mas a mesma degradou-se e a festa de São Gonçalo foi transferida para o bairro do Bonfim. No passado, os devotos seguiam por mar, em saveiros e pequenos vapores da Companhia Baiana de Navegação. Desembarcavam no Porto da Lenha e subiam a ladeira do mesmo nome. Em razão da distância e por não haver estradas em boas condições, os romeiros chegavam ao Bonfim três dias antes da festa e daí o costume de lavar a igreja na quinta-feira, para prepará-la para a festa do domingo. Os que seguiam a pé também levavam água de toda a cidade, em potes, moringas ou latas, sobre as cabeças, dançando durante todo o trajeto.

A princípio essa lavagem era feita pelos moradores das vizinhanças e depois foi se tornando um ato cada vez mais difundido. Documentos e fotos antigas atestam a presença de aguadeiros, bondes e animais enfeitados com flores e bandeirolas, que deslocavam-se rumo ao Bonfim, além de baianas vestidas com as suas mais belas indumentárias, balangandãs e patuás.

Ao contrário do que acontece hoje, quando a água é carregada em potes, no século XIX e início do século XX, a água utilizada para a lavagem da igreja era retirada de uma fonte existente na Baixa do Bonfim e na noite de quarta-feira, romeiros de toda parte do Estado e de outras regiões do Brasil, além de apanhar a água, acendiam fogueiras, cantavam e dançavam ao som de cavaquinhos, pandeiros e violas. No dia seguinte a igreja era lavada e perfumada com água de colônia e o chão do templo era enxugado com panos brancos rendados.

No lado profano da festa, havia a apresentação de filarmônicas, de grupos com atabaques, capoeira e samba. No chamado sábado do Bonfim, começavam a chegar, à noite, numerosos ternos e ranchos que cantavam e dançavam até a manhã de domingo e permaneciam à espera da tradicional Segunda-Feira Gorda da Ribeira.

A festa, desde que se tem notícia, é marcada pelo sincretismo religioso. Ao lado dos devotos católicos, membros do candomblé prestam homenagem ao Senhor do Bonfim – Cristo, que no sincretismo corresponde a Oxalá. A Lavagem do Bonfim ainda guarda características do passado.

A Igreja do Bonfim

A Igreja Basílica do Senhor Bom Jesus do Bonfim, ou Igreja do Bonfim como é mais conhecida, um dos principais cartões-postais de Salvador, é um dos símbolos da religiosidade baiana. A construção do santuário teve início em 1740 com a vinda para a Bahia do Capitão de Mar e Guerra, Theodósio de Faria.

Segundo a Irmandade de Nosso Senhor do Bonfim, o Capitão de Mar e Guerra tinha grande devoção ao Senhor do Bonfim que se venera na cidade de Setúbal, em Portugal, e trouxe de Lisboa uma imagem semelhante esculpida em pinho de riga, medindo 1,06m de altura.

Em 1745, a imagem foi guardada na Igreja da Penha, em Itapagipe, onde permaneceu até a construção do novo templo. Nesse mesmo ano foi fundada uma irmandade que foi denominada “Devoção do Senhor do Bonfim”.
Situado na única colina de Itapagipe, o templo foi construído entre os anos de 1746 a 1772. A imagem foi transferida para o novo templo em 1754, em uma procissão que contou com a presença macissa da população baiana da época. A imagem de Nossa Senhora da Guia, também trazida de Portugal por Theodósio de Faria e também foi colocada na Igreja de Nosso Senhor do Bonfim.

Conta-se que o Capitão trouxe a imagem como agradecimento por haver sobrevivido a uma tempestade em alto-mar. Prometeu então construir uma igreja no ponto mais alto que avistasse, de onde pudesse ver a entrada da Baía de Todos os Santos.

 Festa e proibições

Mas nem sempre a festa se desenrolou em paz e harmonia. Desde o século XIX houve proibições da lavagem da igreja, com a polícia apreendendo vassouras, potes, violões, atabaques e cavaquinhos. Em 1889, ano da Proclamação da República, o Arcebispo da Bahia, Dom Luís Antônio dos Santos, baixou portaria proibindo a lavagem do interior da igreja, contando com a ajuda da Guarda Cívica. Em razão da proibição, houve espancamentos, brigas e feridos e os motivos alegados pelo então Arcebispo, é que a festa era freqüentada por gente embriagada, da pior espécie. Durante dez anos a lavagem da igreja do Bonfim ficou proibida e nos dias que antecediam os festejos, o local era cercado pela polícia, com o objetivo de impedir qualquer tipo de manifestação. Dez anos depois, em 1899, a lavagem voltou a ser realizada, graças à persistência dos moradores do local, fiéis e comunidades afro-baianas vinculadas ao candombé.

Aos olhos da Igreja, porém, a lavagem era considerada como uma profanação do templo e um atentado aos dogmas cristãos. Mas o povo continuava a participar dos festejos, apesar do temor à repressão policial.


Em 1940 com a chegada dos “Redentoristas” à Salvador, o povo sentiu-se encorajado a realizar a lavagem do templo. Palanques foram armados para a apresentação de ranchos, ternos e orquestras. A presença das babalorixás, como símbolo do sincretismo com Oxalá, o pai de todos os orixás, levou o clero, mais uma vez, a proibir a lavagem, com intervenção da polícia. No entanto, para surpresa de todos, nesse ano de 1940, os comerciantes do local se uniram ao povo fechando as portas dos seus comércios e liberando os empregados, que se juntaram aos fiéis em protesto pela proibição. O impasse foi resolvido pelo então interventor Juracy Magalhães que, sensibilizado, conseguiu junto ao clero a abertura da basílica.

Hoje, vários afoxés e grupos musicais, entre eles um dos mais antigos, os Filhos de Gandhi participam dos festejos do Bonfim. A comissão de frente é formada por mais de quinhentas baianas vestidas à rigor. Turistas de todas as partes do mundo, fiéis e o povo em geral, acompanham o cortejo a pé, em carroças, bicicletas ou caminhões enfeitados.

A dois dias da lavagem do Bonfim, segundo os jornais baianos, o clima de festa já havia tomado conta da Colina Sagrada. A manhã da terça-feira começou movimentada com turistas lotando a Basílica em busca de bênçãos e na quinta-feira o cortejo desceu pelas principais ruas da cidade baixa rumo ao Bonfim, inundando de beleza os olhos dos que apreciavam o desfile.

A Igreja Católica, em ato histórico de confraternização religiosa baniu sua intolerância para com os rituais de origem africana incorporados à Lavagem do Bonfim. Foram desfeitos os equívocos de atitudes do passado emanadas de autoridades religiosas e até do poder oficial em várias escalas. A aceitação clara da presença heterogênea de crenças e seitas religiosas no Bonfim desmonta a discriminação,  participação do candomblé na lavagem, e outras expressões de raiz africana marcantes, em cidade de alto contingente negro, ganha significado de marco histórico – vitória do ardor místico sobre a discriminação. E para esse gesto muito contribuiu a vontade manifestada no ano passado pelo padre Menezes em tornar-se arauto de uma fraternidade religiosa raríssima neste mundo de radicalismos extremados, segundo o jornal A Tarde.

Para nós, independente das crenças e da fé que motiva o povo a participar do cortejo, da lavagem e da festa do Bonfim, tanto do ponto de vista religioso quanto do profano, o mais bonito é a preservação da tradição, é a alegria traduzida nos olhos das velhas baianas, é o colorido das flores e fitas esvoaçando ao vento.Todo esse conjunto de símbolos faz da Bahia uma terra singular.

 

27 de setembro é dia de caruru!

 

“Se a promessa é para os santos católicos, que a tradição aponta como adultos e não gêmeos, ou se é para as divindades infantis do Candomblé, pouco importa.

O bom é que hoje é dia de festejar essa delícia que é a infância. Essa sacralização permite aos adultos, pelo menos por um tempo, relembrar esses dias. Portanto, vamos comer muito caruru e festejar essa beleza da cultura popular.”

Tem caruru na Bahia

Maria Stella de Azevedo Santos

Vinte e sete de setembro está chegando. A Bahia se prepara para brincar com as crianças, com muito caruru e doces. Coisa boa é criança, coisa boa é brincar. Enquanto festa, que mal pode existir na cerimônia de se reunir para comer o popularmente conhecido “Caruru de Cosme e Damião” e/ou “Caruru de Ibeji”? Creio que nenhum. Entretanto, tudo muda quando se fala em culto religioso. Repito: enquanto cultura popular, maravilha; enquanto religião, fazem-se necessários alguns esclarecimentos.

Para uma população que busca cada vez mais o conhecimento, nenhum sentido tem a frase: “Minha mãe sempre fez assim”. Afinal, nossas mães passavam roupa com ferro a carvão e nem por isto continuamos a usá-lo. Também não adianta dizer: “Eu sempre dei o caruru e sempre me dei bem”. Claro! Será que São Cosme e São Damião ou mesmo Ibeji se aborreceriam com festas feitas com tanta devoção e carinho? Não acredito.

Minha intenção com este artigo não é a de criar polêmicas, mas sim a de transmitir o conhecimento que possuo sobre Ibeji, para que o alegre povo baiano possa ampliar cada vez mais seus conhecimentos e, assim, possa realizar suas festas populares com a alegria que lhe é peculiar e que tanto agrada aos povos de outras localidades.

Entender o porquê da data 27 de setembro ser escolhida para a realização dos carurus é fácil: esta era a data em que a Igreja Católica Apostólica Romana celebrava os santos Cosme e Damião (hoje, para a Igreja, estes santos são festejados no dia 26 do mesmo mês). Mas não sei onde foi encontrada a relação dos amados santos católicos com Ibeji – seres espirituais cultuados pelos africanos. A única semelhança que até hoje percebi é o fato de os referidos santos terem sido irmãos. Já que ibeji é a palavra yorubá que significa gêmeos. Se houver outras semelhanças, peço aos leitores que nos transmitam o que sabem, a fim de que nossa cultura popular torne-se mais consistente, consequentemente mais fortalecida.

Não podemos ser vaidosos, nem preconceituosos com um assunto que interessa a todos, indistintamente. Somos todos baianos. Para que se compreenda essa necessidade, cito o exemplo de uma “filha de santo” que me fez a seguinte pergunta: “Minha mãe, tem algum problema eu ir num caruru de Cosme, Damião e Dou?”. Diante daquela pergunta, não me restou alternativa a não ser indagar-lhe: Cosme e Damião são conhecidos, mas quem é Dou?. Ao que ela, cheia de opinião, respondeu-me: “Oxente, mãe Stella, é o irmão de Cosme e Damião!”. Cumpro aqui, portanto, o que considero uma das funções de uma iyalorixá: esclarecer os devotos da religião de que é sacerdotisa, como também a toda a população, temas que se cristalizaram de forma equivocada.

Ibeji não é Cosme e Damião! Ibeji é a palavra usada pelo povo yorubá quando quer referir-se a qualquer gêmeo nascido. Em uma  família yorubá, o primeiro gêmeo (ibeji) nascido se chama taiwo – nasce com a luz; já ao segundo gerado se dá o nome de kéhìndè – sobrevive para unir; a terceira criança que chega ao mundo depois do nascimento de gêmeos é  ìdowu – tem prazer em unir; a quarta criança nascida é alabá – aquela que recebe e aceita os sonhos e visões.

O seguinte mito explica, muito bem, essa relação familiar: Egbé – redemoinho de vento (Iansã), mãe de gêmeos (ibeji) – vivia inquieta e alarmada. Sua casa estava sempre em reforma, porque seus filhos, muitos travessos, gostavam de brincar colocando fogo na casa. Egbé, então, resolveu consultar um babalawô, a fim de tentar uma solução para o problema. Ele aconselhou a mãe dos gêmeos a ter mais um filho. Assim ela fez, e o terceiro filho (idowù) conseguiu com a sua chegada acalmar os seus irmãos ibeji. Eles pararam de brincar com fogo e Egbé voltou a ter calma.

Ibeji são crianças que gostam de brincadeiras e doces. Ibeji gosta de quiabo com azeite, gosta de caruru. Afinal, são crianças africanas. São filhos de divindades (Xangô e Iansã), sendo também cultuados como divindades. Dar caruru a Ibeji é atrair alegria, inocência, renovação… Enfim, é fazer renascer a cada ano a criança que habita em nós.

Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. Seus artigos são publicados, quinzenalmente, sempre às quartas-feiras.

Fonte – Blog Mundo Afro

Vem aí o Bando Anunciador da Festa de Santana

 

Vem aí o Bando Anunciador da Festa de Santana, padroeira da cidade. O evento que será realizado pelo Cuca pelo quinto ano consecutivo, está agendado para o dia 3 de julho, domingo, uma semana antes da data inicialmente prevista. Os interessados em participar do cortejo já podem começar a se organizar, providenciando a confecção das fantasias e adereços. A direção do Cuca espera contar com a participação dos grupos de bairros como Olhos D’Água, Queimadinha, Tomba e outros, que tradicionalmente participam do evento.

O desfile reúne mascarados, baianas com suas indumentárias típicas, cabeçorras, bloco dos sujos e um grande número de populares que percorrem as ruas centrais da cidade, ao som de zabumba e do espocar de foguetes e fogos de artifício, tendo como característica maior a irreverência, além de muita alegria e animação.

Antecedendo o Bando, o Cuca realiza, em 30 de junho, mesa redonda, reunindo jornalistas e pessoas da comunidade para falar de suas experiências e as características originais do festejo, além da escolha da rainha do Bando e exposição de fotografias. Essa é também a oportunidade de discutir sobre questões que envolvem a cidade, seus valores e identidade cultural.

Socorro Pitombo – Assessoria Cuca/Uefs