Sim, eu sei que não será culpa sua, mas se você desembarcar em Lisboa sem um bom domínio do idioma, poderá ver-se de repente em terríveis águas de bacalhau. Está vendo ? Você já começou a não entender…
Um casal brasileiro, amigo meu, alugou um carro e seguia tranqüilamente pela estrada Lisboa-Porto, quando deu de cara com um aviso : « Cuidado com as bermas ». Eles ficaram assustados – que diabo seria berma ? Alguns metros à frente, outro aviso : « cuidado com as bermas ». Não resistiram : pararam no primeiro posto de gasolina, perguntaram o que era uma berma e só respiraram tranqüilos quando souberam que berma era o acostamento.
Você poderá ter alguns probleminhas se entrar numa loja de roupas desconhecendo certas sutilezas da língua. Por exemplo, não adianta pedir para ver os ternos – peça para ver os fatos. Paletó é casaco. Meias são peúgas. Suéter é camisola – mas não se assuste, porque calcinhas femininas são cuecas. (Não é uma delícia ?). Pelo mesmo motivo, as fraldas de criança são chamadas cuequinhas de bébe. Atenção também para os nomes de certas utilidades caseiras. Não adianta falar em esparadrapo – deve-se dizer pensos. Pasta de dente é dentifrício. Ventilador é ventoinha. E no caso gravíssimo de você ter de tomar uma injeção na nádega, desculpe, mas eu não posso dizer que é feio…
Ah, que maravilha o futebol em Portugal ! Um goleiro é um guarda-redes. Só isso e mais nada. Os jogadores do Benfica usam camisola encarnada – ou seja, camisa vermelha. Gol é Golo. Bola é esférico. Pênalti é penálti. Se um jogador se contunde em campo, o locutor diz que ele se aleijou, mesmo que se recupere com uma simples massagem. Gramado é relvado ; muito mais poético, não é ?…
Um sujeito preguiçoso é um mandrião. Um indivíduo truculento é um matulão. Um tipo cabeludo é um gadelhudo. Quando não se gosta de alguém, diz-se : « não gramo aquele gajo ». Quando alguém fala mal de você e você não liga, deve dizer : « estou-me nas tintas » ; ou então : « estou-me marimbando »… Um homem bonito que as brasileiras chamariam pão, é chamado pelas portuguesas de pessegão. E uma garota de fechar o comércio, é, não sei porque, um borrachinho.
Mas, o pior equívoco em Portugal, foi quando pifou a descarga da privada do meu quarto de hotel e eu telefonei para a portaria : « podem me mandar um bombeiro para consertar a privada ? » O homem não entendeu uma única palavra. Eu devia ter dito : « ó Pá, manda um canalizador para reparar o autoclismo da retrete ».
Ruy Castro. « Viaje Bem », Revista de bordo da VASP n° 8, 1978.
Em tempo: O post já foi publicado em outro blog e o leitor José Carlos achou que “seria conveniente salientar que esse texto não teria hoje a mesma importância como na época em que foi originalmente publicado”. E ele acrescenta algumas palavras que não fazem parte do texto publicado:
BICA : cafezinho
BICHA : fila
STUB : ônibus urbano
TOSTA : torrada
TOSTA MISTA : misto quente
PENSO HIGIENICO : absorvente intimo
GRELOS : folhas do nabo
PICA : injeção
PREGO : bife no pão
Mais um interessante e sugestivo comenário enviado por Vanessa Garcia, do blog Pérolas de Mulher :
“Conheço muito bem todas as confusões das diferenças linguísticas entre brasileiros e portugueses. Tenho um português dentro de casa, meu pai. E a vida inteira sempre ouvi dele que odiava entrar em bicha e que iria na padaria comprar um cacete e que teria que ir buscar os putinhos (netos dele, pois tem filhas do primeiro casamento) e levá-los para passear. “ Pior é quando ele e minha mãe (que é brasileira) dançam de vez em quando após o almoço música pimba (músicas portuguesas com duplo sentido nas letras, são engraçadas, porém cafonas demais) por pura diversão”.
Obrigada, Vanessa, pelo comentário oportuno e muito esclarecedor. Aproveito para acrescentar que uma jovem (uma menina, ou garota, como dizemos aqui) em Portugal é chamada de RAPARIGA. Não é engraçado? Rapariga para nós (pelo menos na Bahia) é outra coisa!