Festas, luzes, brilhos…

 

Se me perguntarem qual a minha festa preferida direi sem titubear: o São João. Houve um tempo em que a festa junina disputava com o carnaval. Mas, depois que os festejos carnavalescos foram privatizados o São João conquistou um lugar cativo no meu coração. Festa alegre, animada por música descontraída, um convite à dança. Decoração singela, muito colorida e um convite à gula, haja vista a fartura de iguarias regionais. Encontro de filhos, amigos, parentes queridos que moram distante; enfim, festa de alegria.

E o Natal? Acho bonito; gosto das luzes, das ruas iluminadas, dos presépios, que hoje estão quase em extinção, e do encontro entre as pessoas que se querem bem. Detesto ver as ruas e principalmente os shoppings cheios de pessoas apressadas numa ânsia incontida de consumo. Sinto a sensação de estar encurralada e, ao mesmo tempo, prisioneira do trânsito e do brilho que ofusca. Também acho o Natal uma festa triste, quando deveria ser uma festa de alegria, pois se comemora o aniversário de um menino. Mas será que muitas pessoas lembram desse aniversário? Tenho a impressão de que o Natal também provoca tristeza e decepções. O apelo é muito forte! As pessoas sozinhas, doentes ou pobres ficam mais sozinhas ainda, pois ninguém tem tempo para pensar nelas.

Pensando nessas coisas decidi tirar da gaveta um texto que escrevi em 17 de dezembro de 1977 e que ofereci a uma pessoa muito querida, Naidison Baptista, meu professor de Metodologia do Trabalho Científico, na UEFS. Naidison era severo e provocador; ele sempre dizia que nos acomodávamos facilmente e que precisávamos melhorar. Como era fim de ano e como o Natal se aproximava, esse texto foi oferecido ao professor, que para mim era uma espécie de guru. Foi a primeira vez que tive a coragem de revelar publicamente escritos que mantinha engavetados, em segredo, e este gesto significou, também, uma libertação, um jeito de confessar sentimentos e coisas que poderiam ser julgadas. Eu tinha certeza de que Naidison entenderia.

Hoje, 35 anos depois, reencontrei o texto em questão e decidi publicá-lo aqui no blog, sem medo de julgamentos.

 

Mais um conto de Natal

Leni David

Estudava na escola primária e um dia, na hora do recreio, vi uma menina com um boneco. Era um palhaço equilibrista. Quis tocá-lo, mas ela puxou-o para perto de si com um grito: é meu!

O palhaço equilibrista não me saía da cabeça. Menina interiorana, nunca tinha ouvido falar em Papai Noel. Mas, dezembro se aproximava e me contaram que aquele velhinho distribuía presentes na noite de Natal. Disseram-me que precisava escrever uma carta e deixar os sapatos atrás da porta do quarto.

Escrevi uma carta para Papai Noel, uma carta carinhosa, na qual eu contava que passara de ano, que tinha sido bem comportada e um rosário de coisas boas para merecer o presente. Eu queria um palhaço equilibrista!

Até aquele dia eu só conhecia do Natal, o presépio, e a história dos reis magos, que foram guiados até Belém por uma estrela que anunciava o nascimento do Deus Menino. Achava bonito o presépio enfeitado com musgos, pedras, conchas e areia branquinha; achava bonitas as casinhas de papelão e as figuras de barro espalhadas na areia. Na manjedoura, Maria, José, o boi, o burro, os carneirinhos, o galo, a grande estrela dourada e o Deus Menino deitado nas palhas de braços abertos, nu, sorrindo.

Na volta da missa do galo, da qual participava a maioria da comunidade local, um grande incêndio fez da minha rua um inferno; era a maior casa comercial da cidade que pegava fogo. As labaredas medonhas pareciam lamber o céu.

Era Natal e eu queria que as labaredas se dissipassem, que as explosões terminassem, para permitir a passagem do Papai Noel. Era preciso dormir, pois o velhinho só visitava as casas no silêncio da noite, quando todos dormiam.

Acordei cedo e corri na direção dos sapatos que estavam enfileirados atrás da porta do quarto. Estavam vazios; oito pares de alpercatas surradas, todas vazias. Lembro dos olhos grandes de uma das minhas irmãs mais novas, arregalados, interrogadores. Pensei; Papai Noel, certamente ficara assustado com o fogo e odiei aquele incêndio.

O movimento da rua naquela manhã natalina era diferente. As crianças da vizinhança, todas, tinham presentes para mostrar: bolas, petecas, bonecas e até velocípedes!

Por que eu não tinha um palhaço equilibrista?

Lembro das grossas lágrimas que escorriam dos olhos da minha mãe, e é por isso que eu não gosto de você, Papai Noel!

Feira, 17/12/1977.

 

 

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