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Dia da Mulher
Uma crônica de Martha Medeiros em homenagem às mulheres
Sou uma mulher que balança, sou uma criança que atura. Quando chegar aos 30 serei uma mulher de verdade, nem Amélia nem ninguém, um belo futuro pela frente e um pouco mais de calma talvez. E quando chegar aos 50 serei livre, linda e forte terei gente boa do lado, saberei um pouco mais do amor e da vida quem sabe. E quando chegar aos 90 já sem força, sem futuro, sem idade, vou fazer uma festa de prazer, convidar todos que amei, registrar tudo que sei, e morrer de saudade.
Tenho urgência de tudo que deixei pra amanhã, acho que não sou daqui. Paro em sinal vermelho, observo os prazos de validade, bato na porta antes de entrar, sei ler, escrever, digo obrigado, com licença, telefono se digo que vou ligar, renovo o passaporte, não engano no troco, até aí tudo bem, mas não sou daqui, também porque não gosto de samba, de carnaval, de chimarrão, prefiro tênis ao futebol, não sou querida, me atrevo a cometer duas vezes o mesmo erro, não sou de turma, a cerveja me enjoa, prefiro o inverno, e não me entrego sem recibo. Espelho, espelho meu, existe no mundo alguém que reflita mais do que eu?
Mesmo tendo juízo não faço tudo certo, todo paraíso precisa um pouco de inferno. Vestidos muito longos e justos incomodam, o beijo dos galãs não tem sabor, e Hollywood fica longe demais do meu supermercado favorito. Ser bela e calma, quanta inutilidade, mais vale um bom olhar profundo e uma vida de verdade, dois filhos de cabeça boa, um marido bem tarado, uma empregada chamada Maria, cinema de mãos dadas, um salário legal no fim do mês, aquela viagem marcada, novela, trânsito, profissão, sexo, banho morno, mousse de limão, me corrijam se eu estiver errada.
A realidade é nossa maior fantasia. Aventura não é escalar montanhas, não é atravessar desertos, não é preciso bravura. Aventura não é saltar de avião, não é descer cachoeira, não é preciso tontura. Aventura não é comer bicho vivo, não é beber aguardente, não é preciso angustia. Aventura não é morar em castelo, não é correr de Ferrari, não é preciso frescura. Aventura é tudo o que faz uma pessoa tornar-se capaz de abrir mão da loucura.
Aventura é ser mãe e pai. Pudesse eu viver tudo o que imagino nem sete vidas me dariam tanto fôlego. Dois, três, quatro dormitórios, com suíte, jacuzzi e vista pro mar, closet, duas vagas na garagem, e um condomínio caro por mês, que me interessa granito, madeira-de-lei, lâmpadas alógenas e último andar, eu queria era morar num filme francês.
Martha Medeiros