Os primeiros carnavais
Aurélio Schommer
Carnaval, na Bahia, surgiu como divertimento da elite, espelhado na festa de mesmo nome de Paris e Veneza, sem contar, porém, com a liberalidade de costumes das cidades europeias, especialmente da italiana, onde o carnaval durava dois meses ou mais, durante os quais aconteciam coisas que fazem o nosso carnaval de hoje parecer muito comportado, muito certinho. Mas isso quanto a costumes, pois a violência sempre passou longe do divertimento da elite europeia, mais interessada em bailes de máscaras e cortejos suntuosos.
A tradição do carnaval remonta às mais antigas civilizações registradas, mas a festa só passou a ter esse nome (corruptela de “a carne vale”) com o advento do cristianismo e consequente adoção da quaresma. Desde então, as cidades europeias que o adotaram aliaram festa e refinamento.
A partir de meados do século XIX, a elite soteropolitana começou a fazer bailes de máscaras e fantasias nos melhores salões da cidade, sem acesso ao povão, obviamente. Mais adiante, garantida a segurança pela polícia, os mais abastados tomariam as ruas em suntuosos e festivos cortejos, sempre com suas máscaras e fantasias. Para garantir que não houvesse concorrência, pois os africanos e seus descendentes tinhas suas próprias máscaras, proibiu-se a estes o uso de tais disfarces.
Assim, em 1879, os jornais registravam a ordem do chefe de polícia de Salvador “que fosse substituído esse uso bárbaro (entrudo) pelos divertimentos do carnaval”. A campanha pelo banimento do entrudo e oficialização do carnaval atingiu diversas cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Recife e Ilhéus. Mas as festas nos salões ricos continuavam, os bailes de carnaval, tal como são realizados até nossos dias.
Do início dos desfiles de carnaval, que passaram a incluir carros alegóricos, até 1907, pelo menos, carnaval e entrudo conviveram nas ruas, não sem uma severa repressão policial aos adeptos dos velhos hábitos do entrudo. Houve também contaminação do entrudo pelo carnaval e vice-versa. Era o embrião do carnaval de rua, que mistura a fantasia, os cortejos, com brincadeiras.
O confete e a serpentina, novidades trazidas do carnaval parisiense, além de outras inovações, tornaram o carnaval de rua um evento popular e, ao mesmo tempo, incentivado e controlado pelas autoridades e pelos jornais, que muito combatiam o “crime contra a humanidade e à civilização”, representado pelo velho entrudo.
No início do século XX, as sociedades e clubes carnavalescos dominavam a cena do carnaval de rua, com desfiles ao som de marchas militares e óperas. Era época de União Veneziana, Baiano, Girondinos, Pierrôs da Caverna e outros.
Os desfiles de carnaval, chamados de corso, tornam-se também atração turística, com muitos vindo do interior para assistir. Com o tempo, os carros alegóricos seriam substituídos pelos automóveis, uma ideia do que estava por vir, o carnaval moderno, centrado no trio elétrico.
Aurélio Schommer – É natural de Caxias do Sul – RS (1967), radicado em Salvador desde 1995, é escritor e vice-presidente do Conselho Estadual de Cultura da Bahia. Em 2011, foi o curador da 1ª edição da Flica, de que é fundador e participante da curadoria. É ex-presidente da Câmara Bahiana do Livro – CBaL (gestão 2009/2010). Autor de “História do Brasil vira-lata” (Casarão do Verbo – 2012), tem oito títulos publicados, entre romances, relatos históricos, livro de contos e o Dicionário de Fetiches (2008), obra de referência. Participa de um quadro periódico sobre literatura na rádio Educadora, de Salvador.