Poemas de Antônio Brasileiro

 

ESTUDO 165

 

Compor um homem

com suas tramas, seus dramas,

teogonias, gramáticas, soluços;

compor um homem,

do orvalho matinal compor um homem,

do céu cheio de estrelas, do mistério

do homem

compor o homem; compor um homem

da criança que há no homem, do homem

a adivinhar-se em antiqüíssimas retinas;

compor um homem

com seus soluços, gramáticas, teogonias

– e recitá-lo perante os outros homens.

 

 

LOUCURA E POESIA

 

Furtava as cores de todas as paisagens

que colhia.

Um dia morreu

e um arco-íris bebia

seus olhos.

 

MELOPÉIA

   

Ai esta vontade imensa de calar!

 

De esparramar o pó dos pensamentos

tão longa e longamente arquivados;

 

de apagar os rastos e os projetos

e incendiar a estante de mil livros;

 

de consumar o amor num esquecimento

geral, completa e desprendidamente –

 

ai, semear beldroegas na avenida

e apascentar rebanhos de mamutes;

 

ai, gargalhar nas noites novilunas

como se louco ou iluminado;

 

adormecer serenamente: nu,

liberto, vasto, inverossímil.

 

Ah esta vontade imensa de falar!

                  (Antônio Brasileiro)

 

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Brinde – Antônio Brasileiro

 

         BRINDE

                  Antônio Brasileiro

Se a mente, que não é nada, mantém-se quieta

e as vozes do remorso não persistem,

eis o momento de desvendar enigmas,

de relembrar caminhos

e de tomar uns chopes com os amigos.

Pois se a mente, que não é nada, está quieta

– os enigmas mais crus, domesticados –

e o passado é um pássaro em nossa mão,

eis que o homem conhece a perfeição.

E como tudo passa tão rapidamente,

é bom brindar essas coisas com amigos.

 

 

Antônio Brasileiro – Tiques

 Pode o amor com sua falta

envolver-me em amarguras –

pode uma neurose obscura

cutucar-me, na psique, algo

que (e quem sabe?) não descubro –

pode haver doenças, desastres,

desquites, dívidas, desavenças –

pode ser que tudo mude

ou permaneça a mesma sem-graça

cotidiana existência estapafúrdia –

pode chover canivetes

ou estrôncio, que é mais chique –

pode haver quem não tenha tiques,

faça, impávido, bhakti-yoga:

o fato é que não me encanto

nem me espanto nem corro às léguas.

Fico quieto no meu canto.

 E vão à pura merda ids e egos.

                                                 (Antônio Brasileiro – 1995)

Entrevista com o escritor Antonio Brasileiro

Cláudia Campos, estudante da UEFS, analisando os poemas de Brasileiro, resolveu fazer uma brincadeira; imaginou uma entrevista e, de maneira criativa, respondeu às questões com versos do poeta.

Antônio Brasileiro

1.     Como foi o dia do seu nascimento? 

 O dia em que nasci não teve mistério algum.

O condutor do bonde almoçou à mesma hora,

a novela do rádio continuou em suspense,

a guerra era a mesma merda:guerra é guerra.

Foi um dia como hoje, como ontem, como amanhã

e como daqui a cem anos, com absoluta certeza.

 

2.     Você se considera alguém muito inteligente?

Há coisas que não decifro.

E nem por isso sofro.

Estar no mundo é que é o difícil.

O sol é uma bola imensa.

Eu, pó de mésons.

Em torno a mim nenhuma só tormenta.

 

3.     O que você acha da injustiça social?

Nós somos da mesma cepa,

mas vistos de binóculos somos os mesmos.

Eis uma grande injustiça.

 

4.     Defina a vida e o mundo.

A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem.
                               Passando.

 

A vida – diz Manoel, o são – é

tempestável. E que é tempestável,

Manoel? Tempestável? Ah, tempestável !

É a vida, filho. Quem lá sabe !

 

5.     Como você se vê daqui a alguns anos?

No fim dos tempos,

vou estar numa casinha de palha,

uns livros, um lápis,

papel almaço, a alma pura

e uns rabiscos pra ninguém ler,

só  me confessar.

Ao deus dentro de mim, primeiramente.

E a quem não interessar possa.

 

6.     O que dizer de seus poemas?

Meus versos são de pura essência

Dos poemas essenciais

Nada dizem de verídico

Não querem nada explicar.

Se por vezes falam alto

É por puro gozo, júbilo.

 

7.     Se tivesse que definir sua função no mundo, qual seria?

Fico só comigo, como um lobo

Como um lobo fica só consigo:

Esse mundo é uma jaula;

Você , um inimigo.

 

 8.     Todos nós temos esperança em algo, num governo justo, nas melhores condições de vida e você tem esperança em quê?

A esperança, ah a esperança

Luz no porão iluminando ratos.

 

 9.     Quais são seus planos pro futuro?

 Um  dia ainda hei de escrever poemas fundamentais-

Como a pedra fundamental,

Como a lúgubre senhora magra

E as bússolas de pau com agulha de ferro

Boiando no óleo eterno.

 

10.            Para encerrar, cite-me uma frase sua.

  A verdade é uma só: são muitas.

E estamos todos certos. E sem rumo.

 

 Entrevistado: Antonio Brasileiro

Entrevistadora: Cláudia Campos