Carolina Peliz
Uma senhora elegante decora uma pequena mesa com flores, onde pousa delicadamente pratos e taças. Uma mulher tenta conversar ao telefone enquanto três crianças inquietas correm pelo apartamento. Dois jovens fumam na janela, rindo alto, um deles segura uma taça de vinho tinto.
Um senhor sorri sozinho em frente à televisão, outro passeia nu. Uma adolescente com fones de ouvido, desenha sentada na cama. Um homem olha distraidamente os carros passarem pela rua enquanto segura uma xícara. Seria chá ou café a bebida que esfria na fria tarde parisiense?
Retratos da vida dos outros que quase todos os parisienses podem observar de suas janelas compõem o “vis à vis”, tão repudiado pelos agentes imobiliários.
A visão que se tem dos apartamentos alheios é uma das características mais fortes da vida em Paris, explorada em filmes como Paris, je t’aime, de vários diretores apaixonados pela cidade, O fabuloso destino de Amélie Poulin, de Jean Pierre Jeunet, e, mais recente, Dans la Maison, de François Ozon, ainda sem título em português.
O fenômeno existe em outras cidades, mas em Paris, ele é aumentado porque as ruas são muito estreitas e fazem que vidas tão diferentes se aproximem.
Fingimos diariamente não perceber o casal que se ama na janela em frente ou o pai que deixa a criança chorar desesperadamente enquanto fuma na varanda. Da mesma maneira, eles fingem não observar a vida que passa detrás de nossas janelas.
São seres invisíveis que se escondem atrás de cortinas transparentes e cuja presença quase não percebemos.
São como sombras. O vizinho invisível é uma companhia ausente.
Um simples olhar intrusivo ou um bom dia poderia quebrar a magia do “vis à vis”. Às vezes, na fila do supermercado ou na curva da esquina, nos deparamos com eles, e então é como se víssemos um personagem de um filme ou de uma canção se materializar diante de nossos olhos.
Por um instante pensamos “acho que já te vi”, “mas você não era mais alto ou mais magro?”, esboçamos um “bonjour” e logo lembramos que nunca fomos apresentados, apesar de nos conhecermos tão bem.
Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV.
Fonte: Blog do Noblat