Um poema de Roberval Pereyr

EXERCÍCIO

O ser é um sopro?

Um eco? A contraparte

do ego

              ferido?

O ser é um não

falseado? Um passo

em vão

          no Vazio? Um rio

constelado de enigmas?

O ser é um mito

oco? Um grito

aviltado nos vãos de vinte séculos?

O ser é um erro

de cálculo, um simulacro

do si, que é, já este,

um simulacro?

O ser é um só? Um nó

que se desfaz em infinitos

nós?

Que é, afinal, o ser

além desta vontade

mórbida, imensa

                          de esquecer?

Extraído do livro Amálgama (Nas praias do avesso e Poesia anterior), 2004, p. 21.

Roberval Pereyr reside em Feira de Santana. Co-fundador da revista Hera (1972), que dirigiu, quase sempre em parceria, desde 1973. Criou ainda as coleções literárias Olho D’Água (1982) e Bocapio (1991), além da revista de poesia Duas Águas, com Pablo Simpson (Campinas – SP, 1997). Fundou e dirige as editoras alternativas Estrada e Tulle. Estudante de flauta doce e compositor (parceiros: o catarinense Márcio Pazin, além de Tito Pereira e Carol Pereyr, seus filhos). Tem poemas publicados em antologias nacionais e internacionais, entre as quais Roteiro da poesia brasileira – anos 60, da Global Editora. Entre seus livros de poesia encontram-se As roupas do nu (1981), Ocidentais (1987), O súbito cenário (1996) Concerto de ilhas (1997), Saguão de mitos (1998), Amálgama – Nas praias do avesso e poesia anterior (2004) e Acordes (2010). Publicou ainda A unidade primordial da lírica moderna (teoria da literatura, 2000). Está no prelo o livro A mão no escuro (desenho artístico). Doutor em Letras e Professor Pleno da Universidade Estadual de Feira de Santana.

Roberval Pereyr é o vencedor do Prêmio Braskem de Poesia.

O poeta feirense Roberval Pereyr é o ganhador do Prêmio Nacional de Poesia 2011, promovido pela Braskem e pela  Academia de Letras da Bahia. O livro “Mirantes” do pseudônimo Pedro P.P., que foi mantido sob sigilo, foi o escolhido pela Comissão Julgadora composta pelos acadêmicos Antonio Carlos Secchin, José Carlos Capinan e Ruy Espinheira Filho.

Logo após o anúncio do vencedor, o envelope foi aberto pelo Presidente da ALB, Dr. Aramis Ribeiro Costa, que identificou o autor da obra como o Sr. Roberval Alves Pereira, poeta feirense conhecido como “Roberval Pereyr.”

Os envelopes foram abertos no dia 12/01/2011 às 17:00h pelo Presidente da ALB, na presença da Comissão Julgadora, da Secretária e da Coordenadora da Biblioteca da ALB.

Mais de 100 inscritos concorreram ao Prêmio e os estados com maior representatividade foram Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul.

A premiação será dupla. Caberá ao vencedor uma quantia em dinheiro e a publicação do livro por uma editora de projeção nacional.

Muito sucesso para Roberval Pereyr!

Conto em gotas – Luís Pimentel

CENAS DE CINEMA

Luís Pimentel

 1.

O homem entra no ônibus pela porta dianteira. Cumprimenta o motorista, que não responde, e estira a mão para o trocador, passando-lhe o dinheiro que trazia enrolado entre os dedos.

A câmera em seu encalço.

O homem gira a roleta com dificuldade, pois o coletivo está bem congestionado, e vai avançando lentamente, dá licença, obrigado, dá licença, obrigado, tentando chegar ao final do corredor – onde espera encontrar um canto que comporte seus dois pés.

A câmera atenta.

O homem que parece estar fugindo de alguém ou de alguma coisa respira aliviado quando consegue ajeitar as pernas, rente ao encosto de um banco, levanta os braços em direção à barra elevada de apoio em busca da segurança que se espatifa em um segundo. Exatamente quando reconhece o passageiro que está sentado à frente, a arma na direção do seu peito:

– Quem diria! Fugiu tanto para cair no meu laço.

O primeiro disparo foi na câmera.

 

2.

Uma voz de comando pediu silêncio no set e informou que não ia tolerar comentários maledicentes.

O homem pede à mulher que erga um pouco mais a bunda, pois do jeito que está ela foge do foco da câmera. Depois sugere que ela diminua o ritmo, porque frenético do jeito que está fica parecendo uma dança de nuvens, artístico demais para o momento.

– Pornô moderno não dá tesão em ninguém – ele diz.

Ela pergunta se não está na hora de mudar de posição, mostrar outras partes dos corpos, outro viés de penetração. Ele, que além de ator é produtor e diretor da fita, argumenta que o público dá preferência a volumes e que jamais se cansa de uma cena com bundão na tela.

Ela diz que está cansada, com cãibras na coxa esquerda, dormência no pé direito e com vergonha da insistência com a qual exibe tão explicitamente suas celulites. Levanta-se, vai ao banheiro, toma banho, troca de roupa e sai batendo a porta. A câmera não pegou, mas da escada ainda escutava ele gritando:

– E o contrato?! Você assinou um contrato!

Esta cena final fez o público dar ótimas gargalhadas.

Do livro “Cenas de cinema – conto em gotas” (Ed. Myrrha), recém-lançado