CENAS DE CINEMA
Luís Pimentel
1.
O homem entra no ônibus pela porta dianteira. Cumprimenta o motorista, que não responde, e estira a mão para o trocador, passando-lhe o dinheiro que trazia enrolado entre os dedos.
A câmera em seu encalço.
O homem gira a roleta com dificuldade, pois o coletivo está bem congestionado, e vai avançando lentamente, dá licença, obrigado, dá licença, obrigado, tentando chegar ao final do corredor – onde espera encontrar um canto que comporte seus dois pés.
A câmera atenta.
O homem que parece estar fugindo de alguém ou de alguma coisa respira aliviado quando consegue ajeitar as pernas, rente ao encosto de um banco, levanta os braços em direção à barra elevada de apoio em busca da segurança que se espatifa em um segundo. Exatamente quando reconhece o passageiro que está sentado à frente, a arma na direção do seu peito:
– Quem diria! Fugiu tanto para cair no meu laço.
O primeiro disparo foi na câmera.
2.
Uma voz de comando pediu silêncio no set e informou que não ia tolerar comentários maledicentes.
O homem pede à mulher que erga um pouco mais a bunda, pois do jeito que está ela foge do foco da câmera. Depois sugere que ela diminua o ritmo, porque frenético do jeito que está fica parecendo uma dança de nuvens, artístico demais para o momento.
– Pornô moderno não dá tesão em ninguém – ele diz.
Ela pergunta se não está na hora de mudar de posição, mostrar outras partes dos corpos, outro viés de penetração. Ele, que além de ator é produtor e diretor da fita, argumenta que o público dá preferência a volumes e que jamais se cansa de uma cena com bundão na tela.
Ela diz que está cansada, com cãibras na coxa esquerda, dormência no pé direito e com vergonha da insistência com a qual exibe tão explicitamente suas celulites. Levanta-se, vai ao banheiro, toma banho, troca de roupa e sai batendo a porta. A câmera não pegou, mas da escada ainda escutava ele gritando:
– E o contrato?! Você assinou um contrato!
Esta cena final fez o público dar ótimas gargalhadas.
Do livro “Cenas de cinema – conto em gotas” (Ed. Myrrha), recém-lançado