A ciranda da bailarina

 

 

A ciranda da Bailarina, de Chico e Edu Lobo, foi lançada nos anos 80 no disco O Grande Circo Místico. Comprei para minhas filhas, mas  ouvi muito, talvez até mais do que elas, principalmente essa faixa.

Recentemente ouvi a interpretação da Ciranda por Mônica Salmaso e amei.  Hoje descobri um clip onde se ouve o canto de Monica, enquanto o texto é recitado pela atriz Fabíola Nascimento.  Um show!

A Ciranda da Bailarina sempre despertou em mim um quê de pirraça e sempre me fez sorrir. Quando ouço essa canção não posso me impedir de lembrar o quanto idealizamos as coisas e o quanto fantasiamos as personagens dos nossos sonhos, sem esquecer que meninos (e homens) também sonham com bailarinas. A letra da Ciranda, um poema, diz isso de uma forma divertida e o que soa como brincadeira se materializa em ironia, fina, da boa.

A bailarina é um ícone. Toda menina  sonha em ser bailarina e no sonho a bailarina é perfeita. Ela não tem pereba, lombriga, remela, coceira, piolho e casca de ferida… Será?

Eu sou fã de bailarinas; entro em êxtase quando as vejo dançar, rodopiar, flutuar. Também sonhei em ser bailarina (e trapezista). A sua imagem é perfeita, sublime. Mas quem garante que a menina bailarina nunca teve lombriga, frieira e um irmão meio zarolho?

Isso vale para todos aqueles  que admiramos; atores e atrizes, bailarinas, cantores, escritores e poetas. Amar, apreciar e admirar, sim; idolatrar, não, porque todo  mundo tem imperfeições, medos e defeitos. Ah, e tem mais: todo mundo tem problema na família,  medo de cair, arrota e faz xixi.

Ciranda da Bailarina

(Chico Buarque/Edu Lobo)

Procurando bem

Todo mundo tem pereba

Marca de bexiga ou vacina

E tem piriri, tem lombriga, tem ameba

Só a bailarina que não tem

E não tem coceira

Verruga nem frieira

Nem falta de maneira

Ela não tem

Futucando bem

Todo mundo tem piolho

Ou tem cheiro de creolina

Todo mundo tem um irmão meio zarolho

Só a bailarina que não tem

Nem unha encardida

Nem dente com comida

Nem casca de ferida

Ela não tem

Não livra ninguém

Todo mundo tem remela

Quando acorda às seis da matina

Teve escarlatina

Ou tem febre amarela

Só a bailarina que não tem

Medo de cair, gente

Medo de subir, gente

Medo de vertigem

Quem não tem?

Confessando bem

Todo mundo faz pecado

Logo assim que a missa termina

Todo mundo tem um primeiro namorado

Só a bailarina que não  tem

Sujo atrás da orelha

Bigode de groselha

Calcinha um pouco velha

Ela não tem

O padre também

Pode até ficar vermelho

Se o vento levanta a batina

Reparando bem, todo mundo tem pentelho

Só a bailarina que não tem

Sala sem mobília

Goteira na vasilha

Problema na família

Quem não tem?

Procurando bem

Todo mundo tem…

Reflexões de um poeta

 

Divisor de Águas

Antônio Brasileiro

Prezados senhores, somos todos

da mesma cepa se vistos de binóculos.

Mas não somos os mesmos.

Eu, com meus poemas indecifráveis

vós, com vossas gravatas coloridas /

eu, com esta consciência de mim

vós, com vossa mesa farta /

 

eu, buscando o sempre inatingível

vós, com vossas gravatas coloridas I

eu, meditando muito sobre vós

vós, com sua mesa farta.

Não somos da mesma cepa, mas vistos

de binóculo somos os mesmos.

Eis uma grande injustiça.

In Antologia Poética. Salvador: Casa de Jorge Amado; Copene, 1996