Adélia Prado – Com licença poética


Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

                                                            Adélia Prado

 

Adélia Luzia Prado Freitas nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, no dia 13 de dezembro de 1935; a poetisa escreveu seus primeiros versos aos 15 anos de idade, logo após a morte de sua mãe. Em 1953, terminou o curso de Magistério. Antes do nascimento da última filha, a escritora iniciou o curso de Filosofia.

O seu primeiro livro publicado foi Bagagem. Em seguida publicou “O coração disparado”, que foi agraciado com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, “Terra de Santa Cruz”, “Os componentes da banda”, “Manuscritos de Felipa”, outros de prosa e poesia, e o mais recente, “Oráculos de maio”. Vários textos de suas obras serviram de base para a peça “Dona doida: um interlúdio”, estrelada pela atriz Fernanda Montenegro. Recentemente lançou o CD “O Tom de Adélia Prado”, onde recita versos de seu último livro

Existirmos, a que será que se destina?

 

Caetano Veloso fala de Cajuína                

 Jorge Bastos Moreno

“Numa excursão pelo Brasil com o show Muito, creio, no final dos anos 70, recebi, no hotel em Teresina, a visita de Dr. Eli, o pai de Torquato. Eu já o conhecia pois ele tinha vindo ao Rio umas duas vezes. Mas era a primeira vez que eu o via depois do suicídio de Torquato. Torquato estava, de certa forma , afastado das pessoas todas. Mas eu não o via desde minha chegada de Londres: Dedé e eu morávamos na Bahia e ele, no Rio (com temporadas em Teresina, onde descansava das internações a que se submeteu por instabilidade mental agravada, ao que se diz, pelo álcool). Eu não o vira em Londres: ele estivera na Europa mas voltara ao Brasil justo antes de minha chegada a Londres. Assim, estávamos de fato bastante afastados, embora sem ressentimentos ou hostilidades. Eu queria muito bem a ele. Discordava da atitude agressiva que ele adotou contra o Cinema Novo na coluna que escrevia, mas nunca cheguei sequer a dizer-lhe isso. No dia em que ele se matou, eu estava recebendo Chico Buarque em Salvador para fazermos aquele show que virou disco famoso. Torquato tinha se  aproximado muito de Chico, logo antes do tropicalismo: entre 1966 e 1967. A ponto de estar mais freqüentemente com Chico do que comigo. Chico e eu recebemos a notícia quando íamos sair para o Teatro Castro Alves. Ficamos abalados e falamos sobre isso. E sobre Torquato ter estado longe e mal. Mas eu não chorei. Senti uma dureza de ânimo dentro de mim. Me senti um tanto amargo e triste mas pouco sentimental.
Qaundo, anos depois, encontrei Dr. Eli, que sempre foi uma pessoa adorável, parecidíssimo com Torquato, e a quem Torquato amava com grande ternura, essa dureza amarga se desfez. E eu chorei durante horas, sem parar. Dr. Eli me consolava, carinhosamente. Levou-me à sua casa. D. Salomé, a mãe de Torquato, estava hospitalizada. Então ficamos só ele e eu na casa. Ele não dizia quase nada. Tirou uma rosa-menina do jardim e me deu. Me mostrou as muitas fotografias de Torquato distribuídas pelas paredes da casa. Serviu cajuína para nós dois. E bebemos lentamente. Durante todo o tempo eu chorava. Diferentemente do dia da morte de Torquato, eu não estava triste nem amargo. Era um sentimento terno e bom, amoroso, dirigido a Dr. Eli e a Torquato, à vida. Mas era intenso demais e eu chorei. No dia seguinte, já na próxima cidade da excursão, escrevi Cajuína”.
 
Sobre Torquato Neto leia mais aqui  

    

                        Cajuína

                            Caetano Veloso

        Existirmos a que será que se destina
        Pois quando tu me deste a rosa pequenina 
        Vi que és um homem lindo
        e que se acaso a sina
        Do menino infeliz
        não se nos ilumina
        Tampouco turva-se a lágrima nordestina
        Apenas a matéria vida era tão fina
        E éramos olharmo-nos intacta retina
        A cajuína cristalina em Teresina

Fonte: OGlobo – 06/06/2006

 

Galeano expõe pinturas no Museu de Arte Contemporânea

Após um longo período sem expor em Feira de Santana, o artista visual Jorge Galeano volta a mostrar suas obras mais recentes.  O vernissage acontece no dia 18 deste mês, às 20h, no Museu de Arte Contemporânea Raimundo de Oliveira.

Galeano apresenta cerca de 20 trabalhos, acrílico sobre tela, fechando uma série de exposições no Museu de Arte Contemporânea. Ele está voltando de uma recente tournée de exposição na Argentina, onde apresentou “Cun La luz del sertão”, com curadoria da artista Nora Dobarro.

 A mostra, uma realização da Fundación Centro de Estudos Brasileiros, aconteceu no período de 7 a 29 de outubro, com o apoio da Embajada  del Brasil, Secretaria de Cultura da presidência de La Nación , Gobierno de La Ciudad  e galeria de Arte Ruth Benzacar.

 Sobre Galeano, que é argentino, mas radicado em Feira de Santana, Nora afirma  que “o artista produz o entrelaçado de cores e as formas em uma ação de combate visual intenso apropriando-se ainda das ruas que transita diariamente e seus rituais”.

O Novo Manifesto

 

Lima Barreto

Eu também sou candidato a deputado. Nada mais justo. Primeiro: eu não pretendo fazer coisa alguma pela pátria, pela família, pela humanidade.

Um deputado que quisesse fazer qualquer coisa dessas, ver-se-ia bambo, pois teria, certamente, os duzentos e tantos espíritos dos seus colegas contra ele.

Contra as suas idéias levantar-se-iam duas centenas de pessoas do mais profundo bom senso.

Assim, para poder fazer alguma coisa útil, não farei coi­sa alguma, a não ser receber o subsídio.

Eis aí em que vai consistir o máximo da minha ação parlamentar, caso o preclaro eleitorado sufrague o meu nome nas urnas.

Recebendo os três contos mensais, darei mais conforto à mu­lher e aos filhos, ficando mais generoso nas facadas aos amigos.

Desde que minha mulher e os meus filhos passem melhor de cama, mesa e roupas, a humanidade ganha. Ganha, porque, sendo eles parcelas da humanidade, a sua situação melhorando, essa melhoria reflete sobre o todo de que fazem parte.

Concordarão os nossos leitores e prováveis eleitores, que o meu propósito é lógico e as razões apontadas para justificar a minha candidatura são bastante ponderosas.

De resto, acresce que nada sei da história social, política e intelectual do país; que nada sei da sua geografia; que nada entendo de ciências sociais e próximas, para que o no­bre eleitorado veja bem que vou dar um excelente deputado.

Há ainda um poderoso motivo, que, na minha consciên­cia, pesa para dar este cansado passo de vir solicitar dos meus compatriotas atenção para o meu obscuro nome.

Ando mal vestido e tenho uma grande vocação para elegâncias.

O subsídio, meus senhores, viria dar-me elementos para realizar essa minha velha aspiração de emparelhar-me com a deschanelesca elegância do senhor Carlos Peixoto.

Confesso também que, quando passo pela Rua do Passeio e outras do Catete, alta noite, a minha modesta vaga­bundagem é atraída para certas casas cheias de luzes, com carros e automóveis à porta, janelas com cortinas ricas, de onde jorram gargalhadas femininas, mais ou menos falsas.

Um tal espetáculo é por demais tentador, para a minha imaginação; e, eu desejo ser deputado para gozar esse paraí­so de Maomé sem passar pela algidez da sepultura.

Razões tão ponderosas e justas, creio, até agora, nenhum candidato apresentou, e espero da clarividência dos homens livres e orientados o sufrágio do meu humilde nome, para ocupar uma cadeira de deputado, por qualquer Estado, pro­víncia, ou emirado, porque, nesse ponto, não faço questão alguma.

Às urnas.

                                                    Correio da Noite, Rio, 16-1-1915


Observação: Não fiquem assustados. A crônica que ora publico e que reflete bem a realidade atual, foi escrita em 1915, ou seja, no século passado!