Lya Luft
Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.
Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco – em lugar de voltar logo à sua vida.
Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ”Olha que estou tendo muita paciência com você!”
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.
Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.
Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa – uma mulher.
Lya Fett Luft nasceu em Santa Cruz do Sul no dia 15 de setembro de 1938. Exerceu o magistério superior, como professora de Linguística. Sua atividade literária inclui a tradução, principalmente de autores de língua inglesa e alemã, dentre os quais Brecht, Virginia Woolf, Herman Hesse, Thomas Mann e Günther Grass. iniciou sua carreira literária escrevendo poemas e crônicas para o jornal Correio do Povo. Publicou livros de poemas, romances e novelas, tendo textos seus adaptados para o teatro. Sua primeira obra de ficção foi As parceiras, em 1980, seguindo-se A asa esquerda do anjo, Reunião de família, O quarto fechado, Exílio e A sentinela. O Rio do Meio obteve o prêmio de melhor obra de 1996, da Associação de Críticos de Arte de São Paulo.