Faxina no céu

                                                                                         Leni David 

As nuvens escuras foram chegando devagar e cobriram o azul. Em pouco tempo, trovões ribombavam e relâmpagos desenhavam ziguezagues no espaço.

A mãe fechou portas e janelas, desligou a televisão;  sobre a mesa da sala, pôs folhas de papel, cola e revistas antigas.  Ao lado das meninas recortava papéis coloridos e inventava desenhos,  jeito de esconder que tinha medo de trovoadas.

A chuva caía forte e intermitente; mais trovões, mais relâmpagos e uma queda da energia elétrica;  felizmente ainda era dia.

Mais um pipoco, daqueles que parecem partir o céu em milhões de pedaços. Todas estremeceram, se  entreolharam, e a menorzinha com os olhos arregalados exlamou:

– Eta! O céu estava sujo, mas Deus exagerou na faxina… Desse jeito ele vai quebrar tudo!

Ser mãe é dureza

O dias das Mães está chegando e lembrei de um poema de Coelho Neto que era recitado nas escolas no meu tempo de menina.

  

Ser Mãe

Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
o coração! Ser mãe é ter no alheio
lábio que suga, o pedestal do seio,
onde a vida, onde o amor, cantando, vibra.

Ser mãe é ser um anjo que se libra
sobre um berço dormindo! É ser anseio,
é ser temeridade, é ser receio,
é ser força que os males equilibra!

Todo o bem que a mãe goza é bem do filho,
espelho em que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!

Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!
                             (Coelho Neto)

E lembrei também de uma canção antiga que a minha mãe cantarolava. Procurei na ‘santa’ internet e achei a letra. Vale a pena comparar os dois textos e rir um pouco.

 Ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração
É não pregar o olho a noite inteira no serão
É andar na correria preparando mamadeira
Ao som de uma tremenda choradeira

É fralda toda noite todo dia pra trocar
Porém na poesia esqueceram de contar
Ser mãe é muito bom para um poeta inocente
Mas ele se quiser que experimente

Ir  ao cinema já perdi a esperança
Não tenho em casa uma babá de confiança
E tome fralda e mamadeira pra lavar
Enquanto papaizinho vai pra rua passear

Pra meu castigo, meu consolo vejam só
Um belo dia sou chamada de vovó
Mas a verdade é prova de juízo
A gente por vontade padecer num paraíso

                                         (Inezita Barroso)

            Boa noite, até amanhã!

Doação de palavras

No Dia Mundial de Luta Contra o Câncer, 10 de abril, o Hospital Mário Penna (Belo Horizonte), lançou uma campanha diferente e criativa.

O hospital está pedindo uma doação inédita. Não se trata de dinheiro, nem alimentos. Ele pede, apenas, palavras

Isso mesmo, palavras, que são exibidas nos computadores do hospital e das salas de quimioterapia para os pacientes afetados pelo câncer.
Achei a idéia formidável, pois demonstra a preocupação e o carinho de médico(a)s e enfermeiro(a)s com os seus pacientes. Além disso, todos nós sabemos que as palavras são tão importantes quanto os medicamentos.  Certamente elas vão aliviar dores, provocar risos, trazer de volta a esperança e a alegria.

                                         Não custa nada ser solidário,  não é?  

                              Entre no site e doe palavra 

O pequeno escritor

                                                                                          Leni David

 O telefone tocou. A avó respondeu; do outro lado da linha, de outra cidade, Nino,  um menino de oito anos:

– Alô? Vó?… é você?

-Sou eu sim, meu amor! Que boa surpresa! Sua mãe está em casa? Quem discou o meu número pra você?

– Ninguém, Vó, eu mesmo disquei.

– Que bom, Nino, agora a gente vai poder conversar com mais freqüência; você já sabe telefonar sozinho! Quais são as novidades? Você está bem?

– Tudo bem, Vó. Eu aprendi a telefonar e liguei pra lhe contar uma novidade.

– Novidade? Que novidade é essa? Então quero ouvir…

– Eu agora sou escritor, Vó; escrevi um livro!

Controlando o riso, a avó deu continuidade ao diálogo:

– Você escritor? Que maravilha!

-É Vó, eu escrevi um livro; escrevi a história de um menino que voou num balão de papel.

E a avó com os olhos marejados, arriscou outra pergunta:

– E como é essa história? Posso saber? Você me conta?

– Conto, sim, espera um pouquinho que eu vou sentar:

“Era uma vez um menino chamado Pedrinho; ele queria passear, mas ele não podia, porque o pai e a mãe dele estavam trabalhando. Ele então foi para o quarto e ficou desenhando. Aí ele desenhou um balão bem bonito, bem colorido e que voava pelas nuvens. De lá de cima ele via o mar, a terra e as árvores, os carros bem pequenininhos. Aí um bando de passarinhos começou a voar junto dele e a fazer cambalhotas no ar. Era engraçado (risos).

O vento sacudia o balão pra lá e pra cá. Todo mundo se divertia, quando de repente apareceu uma nuvem muito escura. Pedrinho ficou com medo e começou a chorar. Os pingos de chuva começaram a cair e a molhar o balão de papel de seda. Ele achou que nunca mais ia poder ver os seus pais.

Foi aí que os passarinhos ficaram com pena do menino. Enquanto o balão murchava os passarinhos, com seus bicos, agarram na camiseta e no short de Pedrinho e trouxeram ele para casa. Quando ele abriu os olhos viu que estava deitado na cama e que estava tudo bem, mas ainda continuava chovendo. Ele conseguiu se salvar”. Ainda bem, não é Vó?

Silenciosa a avó sentia as lágrimas que escorriam pelas faces, quase sem conseguir falar, quando a vozinha, do outro lado da linha, replicou:

– Vó, você está aí? Você ouviu a minha história?

Com a voz embargada quase sussurrando, a avó respondeu:

– Ouvi, sim, querido; sua história é muito bonita. Eu adorei! Você guardou o papel onde escreveu a história?

– Não Vó, eu fiz um livro. Foi assim: eu escrevi a história ontem; dobrei o papel ofício que eu peguei no gabinete da minha mãe, grampeei e fiz um livro; fiz um desenho bem bonito na capa e escrevi o meu nome.

– E cadê o livro, você guardou? Perguntou a avó, ansiosa.

– Não, Vó, eu vendi!

Entre assustada e incrédula, a avó exclamou:

– Vendeu? A quem? Quem comprou? Eu queria tanto ter esse livro…

E o menino, sem hesitar, explicou:

– Ontem na escola eu contei a história para os meus colegas e todo mundo gostou. Depois eu perguntei se alguém queria comprar o meu livro. Aí então a professora disse que queria e aí eu vendi pra ela.

– Vendeu para a professora? E quanto ela pagou?

– Um Real!

– E o que você fez com o dinheiro?

– Comprei um sorvete de flocos na cantina.

A avó enxugou as gotas que ainda molhavam a face e com a voz trêmula concluiu:

– Obrigada, meu amor, eu amei a história do seu livro! Você é um escritor de verdade.

– De nada, Vó. Eu gosto de escrever; você quer eu escreva outro livro pra você?

E sem esperar a resposta ele concluiu:

– Eu vou escrever. Um beijo Vó, eu te amo!

                         Feira, 28 de junho de 2006.