Língua portuguesa: certo/errado, adequado/inadequado…

 

                                                 Livros pra inguinorantes

                                                                                 Carlos Eduardo Novaes

 Confeço qui to morrendo de enveja da fessora Heloisa Ramos que escrevinhou um livro cheio de erros de Português e vendeu 485 mil ezemplares para o Minestério da Educassão. Eu dou um duro danado para não tropesssar na Gramática e nunca tive nenhum dos meus 42 livros comprados pelo Pograma Naçional do Livro Didáctico. Vai ver que é por isso: escrevo para quem sabe Portugues!

A fessora se ex-plica dizendo que previlegiou a linguagem horal sobre a escrevida. Só qui no meu modexto entender a linguajem horal é para sair pela boca e não para ser botada no papel. A palavra impreça deve obedecer o que manda a Gramática. Ou então a nossa língua vai virar um vale-tudo sem normas nem regras e agente nem precisamos ir a escola para aprender Português.

A fessora dice também que escreveu desse jeito para subestituir a nossão de “certo e errado” pela de “adequado e inadequado”. Vai ver que quis livrar a cara do Lula que agora vive dando palestas e fala muita coisa inadequada. Só que a Gramatica eziste para encinar agente como falar e escrever corretamente no idioma portugues. A Gramática é uma espéce de Constituissão do edioma pátrio e para ela não existe essa coisa de adequado e inadequado. Ou você segue direitinho a Constituição ou você está fora da lei – como se diz? – magna.

Diante do pobrema um acessor do Minestério declarou que “o ministro Fernando Adade não faz análise dos livros didáticos”. E quem pediu a ele pra fazer? Ele é um homem muito ocupado, mas deve ter alguém que fassa por ele e esse alguém com certesa só conhece a linguajem horal. O asceçor afirmou ainda que o Minestério não é dono da Verdade e o ministro seria um tirano se disseçe o que está certo e o que está errado. Que arjumento absurdo! Ele não tem que dizer nada. Tem é que ficar caladinho por causa que quem dis o que está certo é a Gramática. Até segunda ordem a Gramática é que é a dona da verdade e o Minestério que é da Educassão deve ser o primeiro a respeitar.

 

Fonte : Jornal do Brasil – Blog do Novaes  

 

Curiosidades sobre o português do Brasil

  

História das línguas indígenas

Sylvia Estrella* 

O tupi era a língua indígena mais falada no tempo do descobrimento do Brasil, em 1500. Teve sua gramática estudada pelos padres jesuítas, que a registraram. Era também chamada de língua Brasílica. O padre José de Anchieta publicou uma gramática, em 1595, intitulada Arte de Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil. Em 1618, publicou-se o primeiro Catecismo na Língua Brasílica. Um manuscrito de 1621 contém o dicionário dos jesuítas, Vocabulário na Língua Brasílica. O tupi é considerado extinto hoje e deu origem a dois dialetos, considerados línguas independentes: a língua geral paulista e o nheengatú (língua geral amazônica). Esta última ainda é falada até hoje na Amazônia.Nos primeiros tempos da colonização portuguesa no Brasil, a língua dos índios Tupinambá (tronco Tupi) era falada sobre uma enorme extensão ao longo da costa. Já no século 16, ela passou a ser aprendida pelos portugueses, que, de início, eram minoria diante da população indígena. Aos poucos, o uso dessa língua, chamada de Brasílica, intensificou-se e generalizou-se de tal forma que passou a ser falada por quase toda a população da colônia.

Em 1758, o Marquês de Pombal proibiu o uso da língua geral para favorecer o português. Nesta época, todos os habitantes da colônia falavam a língua geral, ou tupi, que deixou fortes influências no português falado no Brasil. No vocabulário popular brasileiro ainda hoje existem muitos nomes de coisas, lugares, animais, alimentos que vêm do tupi, o que leva muita gente a pensar que “a língua dos índios é (apenas) o tupi”, como explica o professor e pesquisador de tupi professor Navarro.  A língua geral amazônica ou Nheengatú desenvolveu-se no Maranhão e no Pará, a partir do Tupinambá, nos séculos 17 e 18. Até o século 19, ela foi veículo da catequese e da ação social e política portuguesa e brasileira.

Apesar de suas muitas transformações, o Nheengatú continua sendo falado nos dias de hoje, especialmente na bacia do rio Negro (rios Uaupés e Içana). Além de ser a língua materna da população cabocla, mantém o caráter de língua de comunicação entre índios e não-índios, ou entre índios de diferentes línguas. Constitui, ainda, um instrumento de afirmação étnica dos povos que perderam suas línguas, como os Baré e os Arapaço.

Língua original do Brasil  A língua tupi é aglutinante (uma frase é dita em uma palavra), não possui artigos, como o Latim e não flexiona em gênero e nem em número. Um bom exemplo do tupi é: Paranapiacaba = parana+epiaca+caba, mar+ver+lugar+onde.  Ou, lugar de onde se vê o mar; a vila fica a 40km de São Paulo, bem na Serra do Mar e de lá se avista a Baixada Santista.

Por causa da obra do padre Anchieta, no final do século 16, com sua Arte de Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil e do jesuíta Luís Figueira, com a A Arte da Língua Brasílica, “o tupi é a língua indígena mais bem-documentada e preservada que temos”, diz o professor Eduardo Navarro, pesquisador da matéria na Universidade de São Paulo. Ele afirma que o tupi é importante para se entender a cultura brasileira.

O brasileiro já nasce falando tupi, mesmo sem saber. “O português falado em Portugal diferencia-se do nosso principalmente por causa das expressões em tupi que incorporamos. Essa incorporação é tão profunda que nem nos damos conta dela. Mas é isso o que faz a nossa identidade nacional. Depois do português, o tupi é a segunda língua a nomear lugares no País”.

A lista de nomes é extensa e continua aumentando. Há milhares de expressões, como:

Ficar com nhenhenhém – que quer dizer falando sem parar, pois nhe’eng é falar em tupi.

Chorar as pitangas – pitanga é vermelho em tupi; então, a expressão significa chorar lágrimas de sangue.

Cair um toró – tororó é jorro d’água em tupi, daí a música popular “Eu fui no Tororó, beber água e não achei”.

Ir para a cucuia – significa entrar em decadência, pois cucuia é decadência em tupi.

Velha coroca é velha resmungona – kuruk é resmungar em tupi.

Socar – soc é bater com mão fechada.

Peteca – vem de petec que é bater com a mão aberta.

Cutucar – espetar é cutuc.

Sapecar – é chamuscar é sapec, daí sapecar e sapeca.

Catapora – marca de fogo, tatá em tupi é fogo.

O significado de grande parte dos nomes de lugares só se sabe com o tupi. Como nomes de bairros da cidade de São Paulo.

Pari é canal em que os índios pescavam,

Mooca é casa de parentes,

Ibirapuera é árvore antiga,

Jabaquara é toca dos índios fugidos,

Mococa é casa de bocós – bocó é tupi.

Na fauna e flora brasileiras, o tupi aparece massivamente: tatu, tamanduá, jacaré. Até nas artes ele é encontrado – como o famoso quadro de Tarsila do Amaral, o Abaporu, que quer dizer antropófago (canibal) em tupi. Segundo o professor Navarro, o tupi foi a língua mais falada do Brasil até o século 18 e foi a segunda língua oficial do Brasil junto com o português até o século 18.  Só deixou de ser falado porque o Marquês de Pombal, em 1758, proibiu o ensino do tupi.  O tupi antigo era conhecido até o século 16 como língua brasílica. No século 17, ele passou a ser chamado de língua geral, pois incorporou termos do português e das línguas africanas. Mas continuava sendo uma língua indígena, assim como é até hoje o guarani no Paraguai, falado por 95% da população. A dissolução do tupi foi rápida porque a perseguição foi muito violenta. Mesmo assim, até o século 19 ainda havia muitos falantes do tupi. Hoje, a língua geral só é falada no Amazonas, no alto Rio Negro – chama-se nhengatú e tem milhares de falantes entre os caboclos, índios e as populações ribeirinhas.

O professor Navarro conta que o nheengatú foi preservado na Amazônia porque lá a presença do Estado era mais fraca. “Na Amazônia, o português só se tornou língua dominante no final do século 19. Isso porque, em 1877, houve uma seca terrível no Nordeste, o que ocasionou a saída de 500 mil nordestinos da região, que foram para a Amazônia levando o português”.

Apesar do tupi ser uma língua morta, é também uma língua clássica, pois foi fundamental para a formação de uma civilização, assim como o foram o latim, o sânscrito e o grego, que é uma língua clássica ainda falada. O tupi foi fundamental também para a unidade política do Brasil.  Havia outras línguas indígenas que não tinham relação com o tupi, como a dos índios Guaianazes e Goitacazes. Mas eram línguas regionais. O tupi evoluiu para outras línguas além da geral. No Xingu, há línguas que vêm do tupi antigo e são faladas até hoje.

O curso de tupi da Universidade de São Paulo (USP) foi fundado em 1935, pelo professor Plínio Airosa e é o único  dessa língua em todo o Brasil. Tem duração de um ano e a procura é muito grande – em cada semestre há cerca de 200 alunos. 

*Sylvia Estrella (Jornalista formada pela Universidade de São Paulo, com especialização em jornalismo ambiental pelo The Institute for Further Education of Journalists – Fojo (Suécia). Trabalhou em diversos veículos de comunicação, empresas e organizações não-governamentais).

 

Fonte: UOL

 Aqui estão outras palavras de origem tupi que usamos no nosso cotidiano:

Aracy: a mãe do dia, a fonte do dia, a origem dos pássaros.

Arapuca: armadilha para aves.

Araxá: lugar alto onde primeiro se avista o sol.

Babaquara: tolo, aquele que não sabe de nada.

Biboca: moradia humilde.

Caboclo: (kariboka) procedente do branco, mestiço de branco com índio (cariboca, carijó, caburé, tapuio).

Caburé (tupi): kaburé, caboclo, caipira.

Canoa: embarcação a remo, esculpida no tronco de uma árvore; uma das primeiras palavras indígenas registradas

Carioca: kari’oka, casa do branco.

Cuíca: ku’ika,espécie de rato grande com o rabo muito comprido.

Curumim: menino (kurumí).

Capenga: pessoa coxa, manca.

Guaratinguetá: reunião de pássaros brancos.

Ibitinga: terra branca (tinga).

Ig: água.

Iguaçu: água grande, lago grande, rio grande.

Ipanema: lugar fedorento.

Ipiranga: rio vermelho.

Iracema: lábios de mel (ira, tembé, iratembé).

Ita: pedra

Itaberaba – Pedra que brilha

Itabuna – Pedra Preta

Itajubá: pedra amarela (ita, ajubá).

Itaparica – Cerca feita de pedra

Itapuan – Pedra que ronca

Itatiba: muita pedra, abundância de pedras (tiba).

Jacu: (yaku) uma das espécies de aves vegetarianas silvestres, semelhantes às galinhas, perus, faisões.

Juçara: palmeira fina e alta com um miolo branco, do qual se extrai o palmito.

Jurubeba: planta espinhosa e fruta tida como medicinal.

Jururu: de aruru, que significa triste

Mandioca: aipim, macaxeira, raiz que é principal alimento dos índios brasileiros.

Maracá: mbaraká, chocalho usado em solenidades.

Nhenhenhém: nheë nheë ñeñë, falação, falar muito, tagarelice.

Oca: cabana ou palhoça, casa de índio ( ocara, manioca)

Pará : rio

Paraíba : paraiwa, rio ruim, rio que não se presta à navegação.

Paraná: mar

Pereba: pequena ferida.

Pernambuco: mar com fendas, recifes.

Piauí: Rio de piaus (tipo de peixe).

Pindaíba: anzol ruim, quando não se consegue pescar nada.

Tijuca: lama, charco, pântano, atoleiro.

Tiririca: arrastando-se, alastrando-se, erva daninha que se alastra com rapidez.

Tocantins: bico de tucano.

Tupi (1): povo indígena que habita(va) o Norte e o Centro do Brasil, até o rio Amazonas e até o litoral.

Tupi (2): um dos principais troncos lingüísticos da América do Sul, pertencente à família tupi-guarani.

Tupi-guarani: um das quatro grandes famílias lingüísticas da América do Sul tropical e equatorial.

Xará: (X-rer-á) tirado do meu nome.

Yara: deusa das águas, lenda da mulher que mora no fundo dos rios.
                                                                (Várias fontes)

 

Champanhe no maxixe

O artigo abaixo foi publicado no Caderno Cultural do Jornal A Tarde,  em 10/01/2009 como contribuição para o Ano da França no Brasil, que teve início em abril daquele ano, com cerca de setecentos eventos culturais, econômicos e esportivos em todo país.

Brasil e França: reciprocidade musical

 Leni David

Dois franceses legendários foram os precursores de um lançamento musical cujo nome era inspirado do ritmo brasileiro do Maxixe. Foram eles o compositor Charles Borel-Clerc e o cantor Felix Mayol. O primeiro havia iniciado sua carreira em 1903 e graças ao sucesso da canção de sua autoria, Amour de trottin, a pedido do editor Ricordi, compôs La Machiche (O Maxixe) para Felix Mayol, que se tornou seu parceiro na letra. Anunciada como “uma célebre canção espanhola”, tratava-se simplesmente de um arranjo da ópera O Guarany, de Carlos Gomes, em ritmo de passodoble à qual foi adaptada uma letra maliciosa.

Em 1908, porém, o verdadeiro Maxixe estreou em Paris com a dupla brasileira Os Geraldos, que se apresentava no Théâtre Marigny. Mas o grande sucesso desse ritmo só aconteceria com a chegada de Duque, Antônio Lopes de Amorim Diniz, baiano, dentista, que havia vivido no Rio de Janeiro como representante farmacêutico e que mudara-se para a França.

OITO BATUTASBon vivant, dono de uma elegância impecável e excelente dançarino, Duque, que frequentava a noite parisiense, constatou o grande sucesso das danças exóticas na capital francesa. Resolveu abrir uma curso de dança em Pigalle, onde dava aulas e graças ao sucesso alcançado apresentava-se dançando Maxixe com suas parceiras, em teatros e cabarés parisienses. Duque foi aclamado como dançarino e logo tornou-se proprietário do Tango Duque Cabaret. Em 1914 foi convidado para inaugurar e dirigir o Dancing Luna Park, onde se reunia a elite parisiense, inclusive o Presidente Poincaré.

O sucesso e o prestígio de Duque, aliados ao patrocínio de Arnaldo Guinle facilitariam a ida dos Oito Batutas para a França, em janeiro de 1922, com contrato para tocar no Dancing Shéhérazade durante um mês. No entanto, seis meses depois o grupo fazia sucesso em Paris e só voltaria ao Brasil em agosto, por “não suportar as saudades de casa” e em razão dos festejos do centenário da Independência do Brasil. Nessa época, o choro e o samba foram as grandes novidades no ambiente musical parisiense. Exemplos bem significativos desse sucesso são as interpretações de Carinhoso, de Pixinguinha, pelo violonista Django Reinhardt, a interpretação da orquestra Ray Ventura et ses Collégiens de Apanhei-te Cavaquinho, de Ernesto Nazaré e de Tico-tico no fubá, de Zequinha de Abreu.

Os Oito Batutas em Paris (1921) Acervo da Biblioteca Nacional

 

MAXIXE – Mas é preciso lembrar do compositor Darius Milhaud, secretário particular de Paul Claudel, embaixador da França no Brasil entre 1914 e 1918. De volta ao seu país Millhaud homenageou o Brasil em duas de suas obras: A primeira, de 1919, Le bœuf sur le toit, inspirada do maxixe (Boi no telhado) lançado no carnaval de 1918 no Rio, pelo compositor Zé Boiadeiro, pseudônimo de José Monteiro, e de outros elementos da cultura popular brasileira. A composição de Millhaud foi adaptada para balé por Jean Cocteau e tornou-se posteriormente nome de uma reputada casa noturna parisiense onde o ritmo brasileiro despertava admiração;Le bœuf sur le toitera era frequentado por intelectuais como Apollinaire, Léger, o próprio Cocteau e Darius Milhaud, além de Blaise Cendrars, entre outros. A segunda, Saudades do Brasil, uma suíte para piano, orquestrada posteriormente, foi lançada em 1921.

LA CHOUPETTA – Na realidade, são muitas as adaptações e versões da canção brasileira difundidas na França. Ariane Witkowksky cita uma série de canções brasileiras gravadas por artistas franceses, entre elas, Mamãe eu quero mamar, de Vicente Paiva e Jararaca, adaptada por Maurice Chevalier como La Choupetta, cujo tom malicioso do original em português foi mantido. Em 1938, a marchinha carnavalesca Touradas em Madrid foi adaptada por Maurice Vandair sob o título de Le Matador Pararatcimboum num ritmo semelhante ao do passodoble, executada pela orquestra de Jacques Hélian. Em 1942 foi a vez do cantor Jean Sablon adaptar Amélia, de Mário Lago e Ataulfo Aves. Ele cantou ainda Peguei um Ita no Norte e Não tem solução de Dorival Caymmi e Ave Maria no morro de Herivelto Martins.

Ainda segundo Witkowsky, a França descobriu os ritmos negros com trinta anos de atraso. Como se não bastasse, também negligenciou a recomendação de Noel Rosa, “o samba não tem tradução em idioma francês”; no entanto, além de traduzir sambas brasileiros, eram  adaptados novos estilos, como o samba-canção e o samba exaltação, muito em voga nos anos 40-50 e até mesmo o baião. Assim, Kalu, de Humberto Teixeira, transformou-se em Kalou e tornou-se quase irreconhecível na interpretação de artistas como Yvette Giraud.

 NACIONALISMO – Outro aspecto importante vinculado à divulgação da música brasileira na Europa diz respeito aos filmes de Walt Disney, produzidos durante a instituição da “política da boa vizinhança”, protagonizada pelo Brasil e Estados Unidos durante a segunda Guerra Mundial. A música produzida nessa época foi marcada por um excesso de nacionalismo e por valores ideológicos e políticos. A “baiana” de Carmem Miranda e os sambas-exaltação eram utilizados como propaganda do Brasil no exterior.

Depois do lançamento do filme de Disney Você já foi à Bahia? – cujo título é o mesmo da canção de Caymmi lançada no Brasil em 1941 – que teve Ary Barroso como responsável por parte da trilha sonora, as canções Aquarela do Brasil, Na Baixa do Sapateiro e Boneca de Pixe, depois de adaptadas para o francês foram cantadas por Joséphine Baker, Luis Mariano e Glória Lasso. Em contrapartida pelo apoio do Brasil ao Estados Unidos, Disney criou o personagem Zé Carioca, parceiro do Pato Donald, que no filme se apaixona pela Iaiá vendedora de quindins, Aurora Miranda, na Praça Cairu (veja vídeo abaixo). Segundo Afonso Romano de Sant’Anna, o nacionalismo tornou-se um dado social e histórico bem típico da música brasileira daquele momento. Este painel sonoro de temas, ritmos e valores ideológicos foram estimulados pelo DIP – Departamento de Informações e Publicidade da ditadura Vargas, principal instrumento de repressão e censura. Certo é que essas canções chegaram à França via Estados Unidos.

Além dos artistas franceses em evidência na época, a brasileira Vanja Orico, famosa pelas canções “folclóricas” interpretadas em filmes nacionais dos anos 50, sobretudo O Cangaceiro, concorreu para divulgar a música brasileira no exterior com canções como Ninguém me ama (Fernando Lobo, Antônio Maria e J. C. Damal) e Maringá de Joubert de Carvalho.

BOSSA NOVA – Dando continuidade a essa febre de versões da música brasileira pelos artistas franceses, por ocasião do lançamento do filme Orfeu de Carnaval em 1958, uma nova onda de adaptações de letras brasileiras tomou conta do ambiente artístico francês. Entre elas o samba Madureira chorou (Se tu vas à Rio) de Carvalhinho e Júlio Monteiro, que  fez bastante sucesso. Ocorre que na sua versão original a letra fazia  uma homenagem à atriz Záquia Jorge que havia falecido vítima de um acidente. Na versão francesa, porém, a letra sugere que “se você for ao Rio não esqueça de subir o morro/ para ver os cariocas na festa do samba/ a mais louca das danças”. O grupo Les Compagnons de la Chanson, além de gravar Madureira chorou (Se tu vas à Rio), também gravou Andorinha Preta, traduzida como Amour brésilien.

Mas a música brasileira na França teria uma ascensão inesperada após o lançamento de Orfeu Negro, ganhador da Palma de ouro no Festival de Cannes em 1958, cujo sucesso projetaria Vinícius de Moraes, Tom Jobim e Luís Bonfá no cenário musical internacional. Nessa mesma época Vanja Orico gravou Manhã de Carnaval e A felicidade, temas do filme, também interpretadas por cantores franceses. Dando prosseguimento a essa ascensão, a Bossa Nova seria consagrada internacionalmente e a França não seria uma exceção. No entanto, após o lançamento do filme Um Homem, uma mulher de Claude Lelouch, em 1966, também agraciado com a Palma de Ouro em Cannes, a Bossa Nova se consolidou de forma definitiva e pôs em evidência um novo artista brasileiro, Baden Powell, que em parceria com Vinícius compôs o Samba da Bênção, um dos temas musicais do filme.

Continuaríamos de bom grado a discorrer sobre os artistas franceses e brasileiros, personagens desse intercâmbio cultural, se o tema não fosse vasto e se tivéssemos espaço para tanto. Desse modo é aconselhável arrematar esse pequeno resumo com um ponto final, haja vista que a trajetória dos artistas franceses no Brasil e dos artistas brasileiros na França, sobretudo a partir de 1966 é bastante rica em detalhes e em parcerias. Assim sendo, retomaremos o tema em outra ocasião.

         

Observação: O jornal A Tarde não publicou as referências bibliográficas, o que faço nesse momento, por achar que elas são fundamentais em qualquer trabalho de pesquisa.

Obras consultadas:

ALENCAR, Edigar de. O carnaval carioca através da música. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 5a ed, 1978.

CABRAL, Sérgio. Pixinguinha, vida e obra. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1979.

DREYFUS, Dominique. In PARVAUX, Solange & REVEL-MOUROZ, Jean. (Coordinateurs). Images réciproques du Brésil et de la France. Paris : Ministère de l’Éducation Nationale (France), Ministério da Educação (Brasil, Collection Travaux et Mémoires de l’IHEAL, n° 46, Série Thèses et Colloques, n° 2. 1991, p. 299-307.

EFEGE, Jota. Maxixe, a dança excomungada. Rio de Janeiro: Conquista, 1974.

LOPES, Antonio Herculano. “Um forrobodó da raça e da cultura“. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 21, nº 62, p. 69-83, outubro de 2006.

MILHAUD, Darius. Notes sur la musique. Paris :Flamarion, 1982.

NERONDE, Claude de. Le tango, la maxixe brésilienne. Paris : Librairie et Édition 40, rue de Seine, 1920.

SANTANA, Afonso Romano de, Música popular e moderna poesia brasileira, Vozes, Petröpolis, 1968.

SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante : técnica, ritmos e ritos do Rio.  In: Sevcenko, Nicolau e Novais, Fernando (org) História da vida privada no Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 1998.

SODRE, Muniz, Samba, o dono do corpo. Codecri, Rio de Janeiro, 1979.

SOUZA, Tärik de. Gostos e rostos da música popular brasileira. Porto Alegre, LPM, 1979.

TATIT, Luiz. A canção – eficácia e encanto, Atual, São Paulo, 2ª ed., 1987.

TINHORÃO, José Ramos. O samba agora vai – A farsa da música popular no exterior. Rio de Janeiro: JCM, 1969.

TINHORAO, José Ramos. Pequena História da música popular. Vozes, Petröpolis, 1978

Witkowsky, Ariane. Cahiers du Brésil contemporain, n° 12. Paris, décembre 1990, p.146-149.

 

5 de Novembro – Dia da Cultura

 

Hoje, 5 de novembro, comemora-se no Brasil o Dia da Cultura. A data foi escolhida por marcar o nascimento de Ruy Barbosa. Muito justo. Nada contra Ruy Barbosa, nem poderia ter…

Dele, para ser franca, conheço um pouco da rica biografia, sei que ficou conhecido como Águia de Haia por nos representar com imenso brilho naquela Corte, que é o autor da Oração aos Moços, que cunhou uma frase sempre repetida e muito assustadora (RB) e que recebeu de Joaquim Nabuco um dos mais rasgados elogios de que se tem notícia: “Ruy Barbosa, hoje a mais poderosa máquina cerebral do nosso país”.

Vindo de quem veio, Nabuco, essas palavras são impressionantes e, para mim, já bastariam para justificar Ruy como patrono do Dia da Cultura.

Mas vou no popular, como dizem os cariocas com muito humor: já que temos um Dia da Cultura a comemorar, honro nesta data José Bento de Monteiro Lobato, criador de amigos de toda minha infância, juventude, maturidade e velhice. Já fui tratada pelo Dr. Caramujo, já piralampei muito com os meninos em suas viagens, já andei sentada no ombro de Heracles, já usei e abusei do Visconde, já sentei aos pés de Dona Benta, já escapei do Minotauro graças aos bolinhos da tia Nastácia e ainda abro muitas vezes a canastra onde guardo meus tesouros, inclusive a tesourinha de uma perna só.

Ser o país onde fica o Sítio do Picapau Amarelo é mais uma das magníficas dádivas de Deus para com o Brasil. Somos um país abençoado, terras férteis, matas riquíssimas, um litoral deslumbrante, montanhas, planícies e planaltos de extrema beleza. Mas entre essas dádivas, não se iludam, está sermos a terra natal de Monteiro Lobato, criador de criaturas que apaixonam as crianças.

O atual ministro da Cultura, Juca Ferreira, baiano como Ruy, fez publicar hoje uma bela carta sobre o Dia da Cultura no site de seu ministério: “É com enorme alegria que o Ministério da Cultura felicita hoje o Dia Nacional da Cultura. Celebração que neste momento especial não poderia ser mais simbólica em vista a importância que a pauta conquistou na agenda do país. É o momento de celebrarmos a riqueza da diversidade cultural, a plena liberdade de expressão e comemorar a força da arte brasileira”.

Quero, em primeiro lugar, cumprimentar o ministro por louvar e mencionar a “plena liberdade de expressão”, sem a qual não há Cultura que resista, e em segundo lugar, lhe dar os parabéns por ser tão sortudo: imaginem se hoje já estivesse em vigor a ignomínia que estava sendo tramada, proibir as Caçadas de Pedrinho de circular por nossas escolas!

Tenho certeza que essa ideia foi mais uma das que jorram da torneirinha de asneiras da Emília, que deve ter levado um bom sabão do Visconde e um pito muito merecido de Dona Benta. O que ela merece é que tia Nastácia nunca mais lhe remende os estragos…

E eu fecho por hoje minha torneirinha de asneiras, em homenagem ao Dia Nacional da Cultura e aos pacientes leitores que chegaram até aqui. Com um duplo abraço: por termos vencido mais uma campanha eleitoral – ufa! – e por olhar em volta e ver que ainda estamos no mesmo Brasil de sempre: lá vem por aí, bela e fagueira, mais uma das sempiternas promessas furadas que nos fazem, a CPMF. Fazer o que? Dar razão a Ruy Barbosa: o homem chega a desanimar da virtude…

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

Fonte: Blog do Noblat

O Brasil no Le Monde

 

Cartas de Paris

                                                                   Carolina Nogueira

Quem visita Paris esta semana vai certamente se surpreender ao esbarrar com a bandeira brasileira literalmente a cada esquina.

O jornal Le Monde está fazendo a maior propaganda do seu número especial sobre o Brasil – que estampa o lisonjeiro título de “o gigante se impõe”.

Mas desde a capa depreende-se que a revista vai além dos clichês óbvios. Ao lado do Corcovado, carnaval e futebol, a ilustração inspirada na bandeira brasileira faz referências à indústria aeronáutica, petróleo, energia nuclear, bio-combustíveis, jogos olímpicos. (Só não entendi muito bem a referência ao trigo ao invés da soja, mas tudo bem.)

Ao invés de uma entrevista com o presidente Lula como carro-chefe – o que o jornal provavelmente conseguiria, se quisesse – a publicação escolheu retratá-lo por meio de um abecedário com uma seleção de frases colhidas de seus discursos.

Algo inspirado no livro do Ali Kamel, desconfio. Editada com uma bela foto do presidente posando de estadista, o abecedário revela uma opção editorial honesta em relação à figura de Lula – sem oba-oba nem desdém.

Em seguida, a seção entitulada “25 anos de democracia” me surpreendeu, ao propor um enfoque que eu sinceramente não me lembro de ter visto na própria imprensa brasileira. Nós fizemos este balanço?

Este que o Monde propõe começa colocando em perspectiva o indiscutível papel de liderança do Brasil no mundo (“quem pode imaginar, hoje, resolver os problemas do mundo sem o Brasil?”, pergunta Sarkozy), temperado pelas “derrapadas” diplomáticas dos discursos de Lula.

Em seguida, ressalta a parceria militar estratégica com a França e avalia as ambições nucleares “preocupantes” do país. E adiciona um balanço melancólico das alianças regionais latino-americanas.

No balanço político, além dos perfis dos presidenciáveis e de alguns artigos mais ou menos bobos sobre a biografia de Lula e o passado da ditadura militar, uma entrevista com o ex-embaixador francês no Brasil, Alain Rouquié, revela um conhecimento de causa surpreendente – e uma falta de condescendência tipicamente francesa que, longe de ofender, oferece valioso material para nossa auto-análise.

A frase que serve de título para a entrevista, “os deputados brasileiros são eleitos na base do serviço prestado”, resume a ópera: clientelismo e um arcabouço legal engessado, que não ajuda as coisas a mudarem.

Sobre economia, a revista analisa os riscos de um “superaquecimento”. Nos artigos de sociedade, o fenômeno dos evangélicos divide espaço com uma análise madura – e nada sensacionalista – das nossas preocupações com uma violência endêmica.

Aos já cansados álbuns de paisagens, o portfolio escolhido para a revista mostra o cotidiano de um grupo que trabalha em uma favela. E na rubrica sociedade, telenovelas e futebol, que é abordado em seu potencial de ascenção social.

Seguindo a tradição francesa de uma imprensa que não se furta e flertar com a sociologia, a revista coloca a questão do que restou das raízes africanas de nosso povo e dedica algumas páginas às mais importantes regiões brasileiras. Há espaço até para a nova literatura brasileira, retratada em Milton Hatoum– ainda tão pouco conhecido no Brasil.

Para terminar, a alegria de viver brasileira – sem dúvida alguma, a parte do nosso país que o francês mais admira – em uma matéria que foge do óbvio, revelando nossa inventividade na arte.

Pelo nosso tamanho continental e por todas as contradições com as quais nos acostumamos a conviver, eu acho dificílimo definir o Brasil. Mas, sinceramente, o Monde não fez feio, não. Pas mal du tout.

 

PS: Esta coluna foi fortemente encorajada pela Gisele, das Cartas de Buenos Aires, que está de passeio por aqui. Obrigada pela “pauta”!

*Carolina Nogueira é jornalista e mora há dois anos em Paris, de onde mantém o blog Le Croissant

Fonte: Blog do Noblat