Programação comemorativa do centenário de Jorge Amado

 

No próximo ano, o escritor Jorge Amado completaria 100 anos de idade. Para comemorar o centenário do nascimento do escritor, que apresentou a Bahia ao mundo por meio de personagens como ‘Gabriela’, ‘Dona Flor’, ‘Vadinho’, ‘Pedro Bala’, ‘Balduíno’, ‘Tieta’, entre outros, serão realizadas diversas homenagens em Salvador, Itabuna – onde ele nasceu -, Ilhéus e Vitória da Conquista, além de estados como São Paulo e Rio de Janeiro.

A programação especial do centenário apresentada na Fundação Casa de Jorge Amado, no Pelourinho, na quarta-feira (10), quando o escritor faria 99 anos, também marcou os 25 anos da instituição, que reúne todas as obras do homenageado. As homenagens têm apoio do Estado, por meio da Secretaria de Cultura (Secult), que está realizando diversas atividades para celebrar o Ano Jorge Amado, com programação até dezembro de 2012.

Já na quarta-feira (10), o escritor moçambicano Mia Couto esteve na Sala Principal do TCA, onde fez a palestra ‘Um Mar Vivo: Como Jorge é Amado em África’, propondo leitura africana da obra do escritor baiano. No Foyer do TCA, acontece a abertura da exposição ‘100 + 100’, com ilustrações feitas pelo artista plástico Carybé para a obra de Jorge Amado. A exposição também homenageia o artista plástico argentino radicado na Bahia, que completaria 100 anos em 2011, amigo e parceiro do escritor.

Colóquios de literatura

De acordo com a diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado, Myriam Fraga, a programação também inclui colóquios de literatura, que começam este mês, relançamento de obras do autor, festival de gastronomia baiana, mostra de cinema, lançamento de catálogos temáticos de fotos de Jorge Amado com a família, amigos e no exílio.

Nas bibliotecas públicas, vão ser incluídos círculos de leitura, exibição de filmes acompanhada de debates, oficinas de arte literária, montagem de espetáculos e leituras em praças públicas. Uma das expectativas para as homenagens é a exposição itinerante ‘Jorge, amado e universal’, que inicialmente estará disponível ao público paulista, em março de 2012, no Museu da Língua Portuguesa. Logo depois, será aberta em Salvador, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e em três países, ainda não definidos. “Se meu pai estivesse vivo, com certeza iria gostar muito destas comemorações, porque ele era festeiro, gostava de conversar, conhecer pessoas”, disse Paloma Amado, filha do escritor.

O secretário da Cultura, Albino Rubim, afirmou que a programação começou a ser elaborada desde o início do ano. Setores da sociedade civil e entidades culturais foram convidados para discutirem as atividades do Ano Jorge Amado.

Eventos para 2011

AGOSTO

Dia 15

Biblioteca Juracy Magalhães Júnior (Itaparica) – Exibição do documentário ‘Jorge Amado’ (60 minutos), do cineasta João Moreira Salles.

Dia 17

Biblioteca de Itaparica – Oficina literária sobre a representação do negro na obra ‘Tenda dos Milagres’ destinada aos alunos do ensino médio e pré-vestibulandos do município de Itaparica.

Dia 18

Casa Afrânio Peixoto (Lençóis) – Conferência ‘Jorge Amado: da ancestralidade à representação dos Orixás’, com o professor Gildeci de Oliveira Leite, diretor do Departamento de Ciências Humanas e Tecnologia (DCHT), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb/Seabra).

Dias 28 e 29

Biblioteca Infantil Monteiro Lobato (bairro Nazaré, Salvador) – X Encontro do Programa Nacional de Incentivo à Leitura Salvador (Proler) com o debate do tema ‘Leituras e releituras de Jorge, o Amado’ e realização de oficinas, palestras, saraus literários sobre o trabalho do escritor.

OUTUBRO

10ª Bienal do Livro da Bahia – O evento, no Centro de Convenções da Bahia, prestigiará o Ano Jorge Amado, com lançamento de livros e realização de palestras, numa iniciativa da Secult, Secretaria de Educação (SEC) e empresa Fagga.

Salão Baiano de Turismo – Lançamento de roteiros turísticos na Bahia baseados na vida e obra de Jorge Amado.

NOVEMBRO

Lançamento do livro ‘Verger, Carybé e Jorge Amado’ – Responsáveis: Fundação Pierre Verger e Fundação Casa de Jorge Amado.

Lançamento do livro ‘Jorge Amado: 88 anos de vida e obra’ – Edição atualizada e revisada de ‘Jorge Amado 80 anos de vida e obra: subsídios para pesquisa’. Responsáveis: Editora da Ufba (Edufba) e a Fundação Pedro Calmon

DEZEMBRO

Dia 16

Palestra ‘Jorge Amado: o escritor de Orixás e Candomblés da Bahia’ – O palestrante será o professor de literatura brasileira, Gildeci de Oliveira Leite. Responsáveis: Casa Afrânio Peixoto e Universidade do Estado da Bahia (Uneb /Seabra)

Centenário – Homenagem a Rachel de Queiroz

 

Um caso obscuro 

Rachel de Queiroz 

Não quero fazer campanha contra quem acredita em espíritos, quem tem visões ou ouve “avisos”. Espiritismo é religião tão respeitável quanto qualquer outra. Quero apenas prevenir meu amigo leitor contra alguma conversão apressada, porque o fato é que as forças da terra muitas vezes se misturam com as forças do céu.

O caso que passo a contar como exemplo, naturalmente que e verídico. Se fosse a cronista inventar um conto, teria que apurar muito mais o enredo e os personagens, dar-lhes veracidade e complexidade. E, aliás, como ficção ele não teria importância nem sentido. O seu valor único e a autenticidade.

Certa professora de grupo, minha conhecida, tem uma empregada, senhora cinqüentona, de cara séria e jeito discreto, natural de Suruí, no Estado do Rio, de onde veio há poucos meses. E lá em Suruí deixou a mãe cega e enferma, da qual não tinha notícias desde que viera para a cidade. Analfabeta, não escrevia nem recebia cartas. Essa gente da roça não acredita muito em correspondência senão para notícias capitais.

Mas um belo dia acordou a empregada, que se chama Joana, chorando, abaladíssima, queixando-se de estranhas visões. Dizia que passara toda a noite acordada; mas não pudera chamar ninguém porque com o medo ficara sem fala. Sentira uns assopros no ouvido, depois lhe sacudiam a cama, como se fosse um terremoto. Por fim vira a mãe, a velhinha cega, estirada num caixão, metida numa mortalha preta. Toda a manhã a mulher chorou e lamentou-se. A patroa, penalizada, ofereceu-se para mandar um telegrama pedindo noticias. Joana porém tinha medo  de telegramas:

— E mais medo tem minha mãe. Chegando telegrama lá, se ela ainda estiver viva morre só de susto.

Estavam nisso as coisas quando ao meio-dia aparece na casa da professora um filho homem de Joana, que também reside na cidade. Trazia na mão um envelope fechado, sem carimbo nem selo. Era uma carta vinda em mão própria da sua terra, explicou o moço. E como ele também não sabia ler, pediram à patroa que abrisse e lesse a missiva — aliás curta e comovente.

“Minha irmã como vai esta tem por fim de lhe dizer que a nossa mãe está às portas da morte já de vela na mão. Joana se apresse sinão não vê mais nossa mãe adeus do seu irmão Basílio.”

Chegando assim aquela carta, após a série de visões noturnas, era impressionante. E a própria patroa a abrira, excluindo-se assim a possibilidade de conhecimento prévio do conteúdo. Era uma dessas bofetadas que o mundo dos invisíveis atira aos pobres humanos, deixando-os cheios de susto e dúvida. Com seus próprios ouvidos escutara a patroa pela manhã a história do assopro, das sacudidelas na cama, da figura amortalhada no caixão. Com suas mãos recebera a carta, com seus olhos lera o endereço tremido e oblíquo, e depois a lacônica má nova. Naturalmente deu imediata licença a Joana para a viagem. Grande falta lhe faria em casa, mas quem pode pensar em impedir um filho de despedir-se da mãe, à hora da morte? E deu-lhe mais dinheiro, deu-lhe um vestido preto quase novo, consultou o horário dos trens, forneceu provisões para a viagem. Não era só caridade de burguesa progressista que a animava, mas principalmente o interesse do profano por uma criatura feita instrumento das forças do Incognoscível. E Joana partiu. A patroa ficou contando a história aos conhecidos; contou por boca e por telefone. Chegou a contar por carta. Não a repetiu às crianças no grupo só de medo de assustá-las com essas coisas misteriosas que ficam entre o céu e a terra. O caso era tão simples, tão líquido: resumia-se apenas a fatos dos quais ela própria era testemunha. E fazia cálculos: a carta deve ter partido de Suruí na antevéspera, de modo que a velha bem podia estar mesmo morrendo na hora das visões noturnas de Joana. Ficou a esperar impaciente a volta da viajante. Sim, porque Joana pediu que o seu lugar fosse conservado, que, consumado tudo, voltaria. “Nem espero a semana de nojo, patroa. Venho logo depois do enterro.”

E, falando em enterro, rompeu em pranto.

Passados oito dias, chegou Joana, mas ainda com a saia estampadinha de encarnado com a qual partira, em vez do vestido de seda preta que lhe dera a patroa, prevendo o luto. Sim, a velha continuava viva. Contou que a mãe estivera de fato muito ruim, vai-não-vai, mas de repente melhorara. Por isso Joana se demorara mais, até que a melhora parecesse segura. E voltou a trabalhar como dantes.

Aquela quase ressurreição desorientou a patroa. Afinal, a velha aparecera de mortalha, e dera o assopro, e sacudira a cama… Mas consultando sobre o assunto os amigos espíritas, eles lhe explicaram que era assim mesmo, e tanto o espírito encarnado como o desencarnado poderia mandar “avisos”. Falaram mesmo em corpo astral, e a professora se impressionou muito.

Nesse estado moral ficou, meio abalada, meio crente, até que um dia sucedeu dessas incríveis, dessas raras coincidências que só acontecem na vida real e nos romances de fancaria: recebeu a visita de uma amiga a quem também contara a história da visão. A amiga vinha de propósito lhe narrar a tal coincidência inaudita. Imagine-se que o filho de Joana por acaso fora trabalhar em sua casa, consertando-lhe o jardim. Lá estava fazia uma quinzena quando inexplicavelmente desapareceu por uma semana. Passados os oito dias, voltou, e alegou motivo de moléstia para a ausência.

No jardim, revolvendo os canteiros, podando o fícus, estabeleceu-se entre jardineiro e patroa esse entendimento normal entre companheiros de trabalho, Ela explicava como queria o serviço, ele dizia que na casa do Dr. Fulano fazia assim e assim, que enxerto de mergulha só é bom com lua tal etc. Afinal, ela lhe perguntou que doença fora a sua, dias antes. O rapaz, que enterrava umas batatas de dália, ficou encabulado. Depois, teve assim como um assomo de consciência, e explicou:

— Patroa, falar a verdade é preciso. Não estive doente não. Mas o caso é que minha mãe meteu na idéia ir em casa, com vontade de assistir umas ladainhas que rezam lá no mês de agosto. Como estava num emprego bom, teve medo que a dona-de-casa se zangasse com uma viagem assim à-toa e não guardasse o lugar para ela, de volta. Então se combinou comigo, só por causa de não fazer a moça se zangar. Pegou a ter uns sonhos com a minha avó, enfiava os olhos na fumaça do fogo para sair chorando. Ai eu mandei um companheiro fazer uma carta chamando, dizendo que a velha estava morrendo, lá no Suruí. A patroa consentiu logo, naturalmente. Tive que fazer companhia a minha mãe, assistimos as ladainhas e agora estamos os dois de volta à nossa obrigação…

A moça ficou espantadíssima:

— Mas, criatura, como é que sua mãe teve a coragem de chamar assim morte para cima de sua avó? Vocês não tiveram medo do agouro?

— Qual, dona! Uma velha daquela, cega, doente, em cima duma cama, dando trabalho e consumição a todo mundo, chamar a morte para ela não é agouro; chamar a morte para ela é mais uma obra de caridade. E dai, agouro que fosse, vê-se bem que não pegou…

Texto  extraído do livroQuatro Vozes, Distribuidora Record. Rio de Janeiro, 1998, pág. 35.

Para ler a biografia de Rachel de Queiroz, clique aqui.

 

Ferreira Gullar faz 80 anos

 

            Traduzir-se 

                    Uma parte de mim
                    é todo mundo:
                    outra parte é ninguém:
                    fundo sem fundo. 

                    Uma parte de mim
                    é multidão:
                    outra parte estranheza
                    e solidão. 

                    Uma parte de mim
                    pesa, pondera:
                    outra parte
                    delira. 

                    Uma parte de mim
                    almoça e janta:
                    outra parte
                    se espanta. 

                    Uma parte de mim
                    é permanente:
                    outra parte
                    se sabe de repente. 

                    Uma parte de mim
                    é só vertigem:
                    outra parte,
                    linguagem. 

                    Traduzir uma parte
                    na outra parte
                    – que é uma questão
                       de vida ou morte –
                       será  arte?                                                                 

 

Poema obsceno 

Façam a festa
          cantem e dancem
que eu faço o poema duro
                                  o poema-murro
                                  sujo
                                  como a miséria brasileira 

       Não se detenham:
       façam a festa
                             Bethânia Martinho
                             Clementina
       Estação Primeira de Mangueira Salgueiro
       gente de Vila Isabel e Madureira
                                                           todos
                                                           façam
                     a nossa festa
enquanto eu soco este pilão
                            este surdo
                                  poema
que não toca no rádio
que o povo não cantará
(mas que nasce dele)
Não se prestará a análises estruturalistas
Não entrará nas antologias oficiais
                      Obsceno
como o salário de um trabalhador aposentado
                      o poema
terá o destino dos que habitam o lado escuro do país
                      – e espreitam.

                        In Na vertigem do dia (1975 – 1980)

 

Subversiva 

A poesia
quando chega
                       não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
                               Quando ela chega
de qualquer de seus abismos
desconhece o Estado e a Sociedade Civil
infringe o Código de Águas
                                             relincha
como puta          
          nova
          em frente ao Palácio da Alvorada. 

E só depois
reconsidera: beija
                     nos olhos os que ganham mal
                     embala no colo
                     os que têm sede de felicidade
                     e de justiça 

E promete incendiar o país

                              In Na vertigem do dia (1975-1980)

 

Poema obsceno

Façam a festa
          cantem e dancem
que eu faço o poema duro
                                  o poema-murro
                                  sujo
                                  como a miséria brasileira 

       Não se detenham:
       façam a festa
                             Bethânia Martinho
                             Clementina
       Estação Primeira de Mangueira Salgueiro
       gente de Vila Isabel e Madureira
                                                           todos
                                                           façam
                     a nossa festa
enquanto eu soco este pilão
                            este surdo
                                  poema
que não toca no rádio
que o povo não cantará
(mas que nasce dele)
Não se prestará a análises estruturalistas
Não entrará nas antologias oficiais
                      Obsceno
como o salário de um trabalhador aposentado
                      o poema
terá o destino dos que habitam o lado escuro do país
                      – e espreitam.

                                   Na vertigem do dia (

 

Barulhos (1980-1987)

Todo poema é feito de ar
apenas:
            a mão do poeta
            não rasga a madeira
            não fere
                         o metal
                         a pedra
            não tinge de azul
            os dedos
            quando escreve manhã
            ou brisa
            ou blusa
                         de mulher. 

O poema
é sem matéria palpável
           tudo
           o que há nele
           é barulho
                      quando rumoreja
                       ao sopro da leitura.

 

Um instante

Aqui me tenho
como não me conheço
          nem me quis

sem começo
nem fim

          aqui me tenho
          sem mim

nada lembro
nem sei

à luz presente
sou apenas um bicho
           transparente

 

Poema brasileiro

No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade 

No Piauí
de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade 

No Piauí
de cada 100 crianças
que nascem
78 morrem
antes
de completar
8 anos de idade 

antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade

                                          Ferreira Gullar

               In Dentro da noite veloz 1962-1975

Homenagem a Paulo Moura

 

O  falecimento do clarinetista Paulo Moura, na noite de segunda-feira (12) no Rio de Janeiro, provocou comoção no ambiente artístico brasileiro e a tristeza dos seus fãs. O músico nasceu em 1933, em São José do Rio Preto (São Paulo), e começou a estudar música aos nove anos de idade, incentivado pelo pai e irmãos. Aos 11 anos, começou a tocar em bailes populares, no conjunto comandado por seu pai, Pedro Moura. Mudou para o Rio de Janeiro em 1947 e gravou seu primeiro disco em 1956.

Na manhã de sábado, Paulo Moura, que estava hospitalizado pra tratamento de um câncer linfático, recebeu visitas de amigos, entre eles o pianista Wagner Tiso, Marcelo Gonçalves, a saxofonista Daniela Spielmann e o pianista americano Cliff Korman.

Clarinetista e saxofonista, Paulo Moura era considerado um dos grandes nomes da música instrumental no Brasil; ele tocou com artistas como Ary Barroso, Dalva de Oliveira, Maysa e Elis Regina.

Em 2000 ele ganhou o primeiro Grammy Latino para Música de Raiz, com o trabalho “Pixinguinha: Paulo Moura e os Batutas”,. E foi indicado novamente ao Grammy em 2008, na categoria Melhor CD Instrumental. Seu último trabalho foi o CD AfroBossaNova, lançado em julho de 2009.

Paulo Moura, embora tenha partido, deixou conosco um tesouro inestimável, pois suas interpretações singulares são imortais.