Lançamento de livro de Damário Dacruz em Cachoeira

 

“Não desejo luxúrias, nem futilidades/Desejo continuar acertando sempre e em prol de todos/Preciso sair dessa fase sem progressos e de dificuldades/Preciso obter os frutos de toda uma luta anterior e realizar novas sementes”.

Damário Dacruz, o poeta que conquistou admiradores com seus textos críticos e anticapitalistas, com suas palavras duras, mas verdadeiras para serem lidas e ouvidas, ainda continua arriscando, vivo e presente em forma de novos versos.

A Fundação Pedro Calmon promove, através do Núcleo do Livro, Leitura e Literatura, em 3 de dezembro (sexta-feira), às 14h30, em Cachoeira, mais uma edição dos Seminários Novas Letras com o tema Damário Dacruz: O Bardo do Recôncavo. O evento acontece no Pouso da Palavra, espaço cultural criado pelo poeta, e contará com a participação de leitores, poetas, estudantes, além dos admiradores da sua produção.

Na programação, gratuita, haverá recitais de poesias e performances, além de palestras. O evento tem como objetivo lançar o livro Bem que te Avisei, publicação póstuma em homenagem ao poeta, que morreu em maio deste ano. A ideia de divulgação, através de um livro, dos poemas inéditos de Damário surgiu da viúva, Graça Cruz, que resolveu levar aos leitores novos versos deixados pelo autor.

Foto: Leni David

Poemas de Damário Dacruz

 

Todo risco

A possibilidade de arriscar
É que nos faz homens
Vôo perfeito
no espaço que criamos
Ninguém decide
sobre os passos que evitamos
Certeza
de que não somos pássaros
e que voamos
Tristeza
de que não vamos
por medo dos caminhos.

Anzol

Angustiado olhar
do peixe capturado.
Angustiado olhar
do peixe
na mesa do mercado.
O amor, às vezes,
tem esse olhar
de quem vacila prisioneiro
quando tudo é mar.

Caixa – preta 

Sou um homem.
Portanto,
mais que palavra.

Não pronuncio
o sentimento
apenas como palavra.

O que foi dito
ao entardecer
não se confirma
na madrugada.
O que foi visto
no sonho
não se confronta
com a realidade.

Sou um homem.
Portanto,
uma surpresa.

 
In Segredo das Pipas, Salvador: EPP/ BANCO CAPITAL, 2003.

 
 
Biografía de Damário Dacruz por Miguel Carneiro

 

“Sua criação inclui versos duros que atingem o alvo de toda essa desordem instaurada no país pela gangue palaciana. Para essa gente, poetas só são ‘os zezés de camargos e lucianos cantando dor de corno’, ou ‘os gilbertos gils da mediocridade’, que lambem os sujos sacos e aceitam suas malas de dinheiro como forma de patrocínio:

“Quanto mais eu sonho
com Cachoeira
mais amanheço em Nove York”

Quem o diz é Damário.

Poetas vivos brasileiros não passam de cerca de oito mil num universo em que a totalidade da população brasileira atinge a casa dos cento e oitenta milhões de habitantes. Mas aqueles que com o seu sacrifício adquirem o pão nosso de cada dia com a sua poesia não chegam a quatro ou cinco.

No entanto, contrariando esses dados de uma sociedade perversa e neoliberal, está estabelecido na estrada desse campo literário o poeta cachoeirano Damário da Cruz, que há trinta anos faz poesia de primeira plana, alheio à safadeza capitalista. Conheci-o em décadas passadas, quando com Daniel Cruz Filho e meu amigo Márcio Salgado, poeta também lá de Monte Santo, autor de Indizível, lançaram uma coletânea na Facom, ainda no bairro do Canela, dali o poeta Dámario saiu diplomado. Da Cruz já viu o mundo. Fotógrafo premiado, percorreu vários países captando na lente de seu olhar paisagens e gentes. No Pouso da Palavra, em sua terra natal, mantém um espaço cultural, abrigando conterrâneos e turistas, ávidos por cultura genuína, brasileira. O poeta faz parte da irmandade dos membros do grande templo da linda sacerdotisa Fon, a nossa saudosa e eterna Luiza Gaiaku. E evocar a cidade heróica sem ligá-la a Damário da Cruz, que tanto canta sua aldeia, é cair no lugar comum.

Damário é um poeta paradoxal, dentro da síntese de seus versos, indicadores de brilhos e imantação cuja poesia sintética eclode lírica em meu coração. “

A arte de Graça Ramos e poemas de Damário Dacruz

A artista plástica Graça Ramos no Pouso da Palavra, em Cachoeira, pintando o retrato do seu amigo Damário Dacruz.

A foto é de George Lima e foi gentilmente disponibilizada pelo mesmo para ilustrar o post em homenagem ao saudoso Poeta.

Todo risco

A possibilidade de arriscar
É que nos faz homens
Vôo perfeito
no espaço que criamos
Ninguém decide
sobre os passos que evitamos
Certeza
de que não somos pássaros
e que voamos
Tristeza
de que não vamos
por medo dos caminhos.

Anzol

Angustiado olhar
do peixe capturado.
Angustiado olhar
do peixe
na mesa do mercado.
O amor, às vezes,
tem esse olhar
de quem vacila prisioneiro
quando tudo é mar.

Outros jardins  

Borboletas
são flores
que decidiram
ganhar o mundo.

 

 Insistência

Os amores impossíveis
sabem dos seu destinos.
Os amores impossíveis
insistem como beija-flores
na busca incessante
do néctar invisível.
Os amores impossíveis
estão sempre fora da rota
mas acreditam que chegarão

Caixa – preta

Sou um homem.
Portanto,
mais que palavra.

Não pronuncio
o sentimento
apenas como palavra.

O que foi dito
ao entardecer
não se confirma
na madrugada.
O que foi visto
no sonho
não se confronta
com a realidade.

Sou um homem.
Portanto,
uma surpresa.
tristeza
de que não vamos
por medo do caminho.

In Segredo das Pipas, Salvador: EPP/ BANCO CAPITAL, 2003.

 

Grande Finale

 Avise aos amigos

que preparo o último verso.

A vida

dura menos que um poema

e no alvorecer mais próximo

saio de cena.”

                    (Último poema de Damário Dacruz)