O Museu e a Arte Contemporânea

Na arte contemporânea não existe limites estabelecidos para a invenção da obra, embora nem tudo em nome da liberdade, sem critérios e sem o risco de referências, a transgressão sem saber de que, divulgado como arte, é arte. Com o deslocamento dos suportes tradicionais, a exemplo da pintura e da escultura para outras opções estéticas ou experiências artísticas em processo, com o uso de novas tecnologias disponíveis ou não, mas principalmente com um novo conceito do que vem a ser uma obra de arte, hoje em dia, coloca em xeque o museu tradicional.

Determinadas linguagens de natureza diversificadas da atualidade solicitam a reformulação de demandas e  estratégias museias, um outro modelo museológico e museográfico.

O museu é o recipiente de conservar uma coleção e preservar uma herança  estética e cultural  de um tempo que passou e do presente para significar o possível futuro. Ele ocupa um lugar de destaque entre os diferentes elementos que compõem o sistema da arte. Assim como o hospício e a clínica, é provável ver nele um espaço de confinamento, um espaço sagrado, intocável e asséptico de exposição de objetos, que exige do espectador um ritual de contemplação, quase em silêncio, das chamadas obras de arte.

Não é um lugar neutro, tem história e implicações ideológicas. Na primeira metade do século XX, o museu de arte era o depósito de repouso do moderno, questionado no início desse século pelo precursor das poéticas contemporâneas, Marcel Duchamp e seu novo paradigma, bem humorado, para a arte: não mais uma coisa criada pelo artista, mas a coisa que o sujeito reconhecido como artista escolhe e decide para ser a obra de arte.

O museu como lugar passivo foi desarticulado com o Minimalismo na década de 1960 e logo em seguida a Arte Conceitual entrou em cena questionando de forma crítica e decisiva as instituições culturais, em especial o museu, o templo da sacralização da arte. O embate foi travado entre o museu e as novas propostas artísticas, efêmeras, privilegiando a ideia contra a materialidade que se armazena na instituição e alimenta o mercado de arte com mercadorias. A arte, desde então, passou a ser uma usina geradora de críticas, provocações e incômodos. Os mal-entendidos entre a arte e a  instituição museal foram inevitáveis e imprevisíveis.

O caráter problematizador dessa produção de arte praticamente rejeitou o estatuto da obra de arte como produto, isto contrariou interesses do mercado e o desejo de classificar e acomodar da instituição museológica. Para a arte contemporânea, o museu com sua arquitetura característica, com função de alojar uma diversidade de procedimentos, é um laboratório de ensaio do que pode ser uma obra de arte, um campo de experimentação. O museu é indispensável, é o ponto de partida e a estação de chegada. É ele que legitima o que se designa experiência artística. E o papel do museu, mais do que armazenar obras, é ser um espaço de pensamento crítico e educativo, frequentado por um público ativo e não mero observador do que está em exposição.

De certa forma, a arte produzida hoje, expõe feridas da cultura e do sistema da arte.  E o imaginário museal tem uma importância na formação do olhar capaz de pensar sobre a arte, do olhar que deixou de contemplar passivamente para experimentar e vivenciar. A arte de hoje não nos diz nada como a arte do passado, ela convida o espectador para refletir sobre o que é uma obra de arte e suas relações com o sistema institucional. Nesse caso, o museu é o lugar privilegiado para o exercício do pensamento, até porque, as obras efêmeras são transferidas ou resgatadas para dentro do discurso e da instituição museológica pelos documentos, registros e reproduções.

Almandrade

(artista plástico, poeta e arquiteto)

 

10ª Semana de Museus movimenta Museu da Cidade – Salvador:

Bate-papo com Almandrade

Tema: “O Museu e a Arte Contemporânea: Um Desafio”

16 de maio (quarta feira) às 10 h.

MUSEU DA CIDADE

Largo do Pelourinho – Centro Histórico – Salvador

ALMANDRADE: Poemas de Natal

 

Natal

Uma voz nua

canta o sentimento

conversa de natal

a solidão

nos contempla

somos habitados

pela música

da noite.

Noite de Natal

Atrás da canção

uma grande lua

a estrela da festa

sinos da madrugada

que ninguém mais

escuta

despertam

lembranças distantes.

Uma foto do Natal

No ar

a coreografia

de uma flauta

antigas velas

ainda acesas

velhas ceias

em preto e branco

esperando

a madrugada

e a festa

O natal se arrasta

Lentamente.

(Almandrade)

Almandrade, por Antônio Luiz M. Andrade:  É arquiteto, poeta e artista plástico baiano. Como artista plástico já participou de quatro bienais internacionais em São Paulo, além de várias outras exposições no país e no exterior. Editou em 74 a revista “Semiótica” e, seus poemas procuram dar às palavras intensidade plástica, forma. Publicou os livros “O Sacrifício dos Sentidos”, “Obscuridade do Riso”, “Poemas”, “Suor Noturno,” “Arquitetura de Algodão”. É um dos grandes nomes brasileiros do poema visual.

 

Artistas arquitetos expõem no Museu Regional de Arte da Uefs

Com a Curadoria da Prova do Artista Galeria de Arte, será realizada no dia 19 deste mês, no Museu Regional de Arte da Universidade Estadual de Feira de Santana, a exposição Artistas Arquitetos. O evento, coordenado pelo Cuca, tem vernissage agendado para as 19h.

Participam da mostra os artistas arquitetos da Bahia Juraci Dórea, Luiz Humberto de Carvalho, Jamison Pedra, Almandrade, Eneida Sanches, Chico Mazzoni, Aruane Garzedin, Igor Souza, Lourenço Muller, Arsênio Oliveira, Eliezer Nobre e Waldo Robato.

Juraci Dórea será destaque na exposição, como único artista feirense com sala especial na Bienal de São Paulo em 1988 e sala especial na bienal de Veneza, em 1998. Outro homenageado será Diógenes Rebouças, primeiro artista arquiteto da Bahia. “Ele foi responsável pela formação de muitos profissionais da área, quando arte e humanismo eram ingredientes da construção civil”, revela o artista plástico Almandrade, acrescentando que nessa exposição, Diógenes terá apresentação do professor e historiador Francisco Sena.

De acordo com Almandrade, que também é poeta e arquiteto, a curadoria da mostra adotou como critério a passagem do artista pela Escola de Arquitetura, arquitetos de formação que descobriram ou tornaram-se artistas plásticos por caminhos e interesses diversos, até contraditórios. Neste caso, pontua Almandrade, “é evidente a diversidade de linguagens e estilos que, por outro lado, refletem tendências articuladas com a pluralidade da arte contemporânea”.

Socorro Pitombo – Assessoria Cuca/Uefs

 

Oiticica – Um Breve Depoimento

 

Festival de Inverno da Universidade católica do Recife, julho de 1979.

 Entre os convidados, Hélio Oiticica para realizar experiências com “parangolé” e fazer uma rápida retrospectiva de sua obra através de slides. Eu estava no festival realizando uma pequena exposição que… tinha um pé na arte conceitual e outro na arte construtiva, com o título “Manias de Narciso”, que muito impressionou o Oiticica. Conversamos muito sobre arte, a partir daí.

No seu trabalho com “parangolé”, queria um público da periferia, marginal, livre de influências culturais acadêmicas, já que via na marginalidade uma idéia de liberdade. Sem dúvida, era um inventor que mantinha certo domínio intelectual sobre seu próprio trabalho. Sabia o que queria e não queria fazer qualquer coisa. Uma noite circulamos pela periferia da cidade do Recife, na busca de uma escola de samba, Oiticica, Paulo Bruscky, Jomard Muniz de Brito e Almandrade. Uma aventura, papos e papos pela madrugada a dentro, de bar em bar nos arredores da cidade. A vida e a arte, os agitados anos de 1960, a mangueira, a tropicália, Londres, Nova York etc. A arte era, para ele, uma experiência quase cotidiana contra toda e qualquer forma de opressão: social, intelectual, estética e política. Na projeção de slides na Universidade Católica, as ilustrações dos papos da madrugada anterior, as imagens de uma obra que a arte jamais se livrará. Arte concreta, neo-concreta, penetráveis, ambientes coloridos, bólides, arte ambiental, tropicália etc.

No princípio era Mondrian, Malevith, depois Duchamp. Uma trajetória exemplar na arte brasileira. Uma tensão entre fazer arte e habitar o mundo. Foi assim, uma das últimas performances do Hélio. Quase oito meses depois, misturado com suas obras na solidão de um apartamento/ninho/penetrável, agonizou por três dias vítima de um derrame cerebral. Ficou a lembrança de uma brilhante e discreta presença num festival de inverno em pleno calor do nordeste brasileiro.

 

Almandrade (artista plástico, poeta e arquiteto)

Publicado no Suplemento Literário, Belo Horizonte, novembro de 1997

Observação: Colaboração enviada pelo fotógrafo George Lima. Muito obrigada, George!